Falsa notícia de assédio ressalta o perigo do prejulgamento
Repórter da Globo esclareceu não ter sido vítima de abuso por parte de técnico de som cruelmente condenado pelo atroz tribunal da internet
Imagine você, leitora, ser informada de que foi vítima de assédio sexual por parte de um colega de trabalho, em público, sem nem ter percebido tal violência.
Imagine você, leitor, se ver acusado injustamente de ter cometido o referido abuso com base na interpretação equivocada de uma imagem gravada a muitos metros de distância.
As duas situações acima descritas são igualmente angustiantes, desesperadoras até. E não se trata de mera especulação. Aconteceu.
As vítimas do mal entendido foram a repórter Fabiola Andrade, da Globo e SporTV, e um operador de som, sem identificação revelada, da equipe técnica que a acompanhava na cobertura do jogo Corinthians e Vasco, na Arena Corinthians, sábado passado.
O ângulo de uma imagem registrada por um torcedor deu a impressão de que o rapaz passara a mão nas nádegas da jornalista. A gravação viralizou nas redes sociais e no WhatsApp.
O que se seguiu? O julgamento sumário do funcionário anônimo do Grupo Globo. Ele foi imediatamente rotulado de assediador sexual, antes de contar sua versão do fato. Afinal, uma imagem vale mil palavras, não é?
Surgiram nas timelines uma enxurrada de notas de repúdio de clubes, apresentadores, comentaristas esportivos, entidades de defesa da mulher, e também ataques verbais de gente aparentemente perita em análise audiovisual. Vale lembrar que equívocos semelhantes já provocaram linchamento de inocentes no Brasil.
Vários portais deram a manchete com destaque na home, em indisfarçável tática caça-clique. Muitos canais do YouTube se apressaram em postar o vídeo para garantir visualizações. ‘Oh lelê / Oh lalá / Espere um pouquinho / Vamos faturar.’ Notícia ruim rende, mesmo quando não é notícia.
Assustada e confusa, Fabiola Andrade informou que a Globo apurava o caso. A jornalista foi sensata ao não prejulgar o acusado.
Na tarde de segunda-feira, a repórter divulgou um comunicado em seu perfil no Instagram: “A respeito do vídeo que está circulando nas redes sociais desde ontem eu queria dizer que vi outros ângulos do mesmo momento do jogo e conversei com o meu colega que trabalha comigo há cinco anos. Ele me procurou várias vezes hoje. Pra mim não aconteceu assédio ou abuso. Ele estava manuseando o cabo de áudio que fica preso à minha roupa durante a transmissão, situação comum em dias de jogos”.
A emissora também se manifestou oficialmente para negar o episódio de assédio após avaliação criteriosa de imagens de outros ângulos da mesma cena. Foi um engano. De boa ou má-fé? Eis a questão.
Imagine, leitor e leitora, o pânico sentido pelo tal técnico de som desde o momento em que passou a ser apontado como criminoso sexual até o restabelecimento da verdade; e a tortura vivida pela jornalista, sem saber se tinha ou não entrado para a cruel estatística de mulheres assediadas no trabalho, no ônibus, na rua, em todo lugar.
Testemunhamos, todos nós, mais um lamentável episódio de prejulgamento, temperado com doses generosas de oportunismo e sadismo.
Apontar o dedo para o outro, mesmo sem a certeza da culpabilidade alheia, parece gerar um prazer patológico menor apenas do que o estrago emocional na vítima da injustiça.
Fake news como essa, a do falso assédio sexual, alimentam o nefando tribunal da internet e deixam a pessoa de bem com o temor de ser o próximo alvo da implacável maledicência coletiva.
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