Felipe Silcler se torna uma referência na TV a jovens negros
Ator de Topíssima festeja o sucesso de personagem cômico, expõe sua visão sobre o racismo e comenta a repercussão por ter usado saia
Um estudante de Medicina que desmaia ao ver sangue. Assim é Zumbi, papel de Felipe Silcler em Topíssima, novela da RecordTV.
O ator comemora o resultado do trabalho e o clima amistoso nos bastidores. “Somos uma família”, afirma.
Aos 28 anos, e com uma década de carreira iniciada no teatro, ele diz ser grato com o que aprendeu na Globo, onde atuou em O Caçador (2014), Totalmente Demais (2015), Novo Mundo (2017) e Mister Brau (2018). “Foi uma grande escola.”
Em conversa com o Terra, o ator conta detalhes da composição de seu personagem, relata episódios de racismo, comenta a importância da representatividade negra na TV e explica o novo conceito de masculinidade.
Como foi o trabalho de composição do Zumbi?
No processo de construção, quem me ajudou muito foi o Victor Lopes, um grande amigo que cursa medicina. Ele me orientou a respeito dos termos técnicos e esclareceu as dúvidas que eu ia tendo. E também pesquisei sobre pessoas que sofrem de hemofobia, que é a fobia de sangue. Assisti a vários vídeos e procurei entender como funciona esse comportamento, já que o Zumbi sente isso.
Foi tranquilo achar o registro cômico do personagem?
Esse registro, na verdade, já existe em mim. Meus amigos dizem que sou engraçado. Mas levar isso para a cena não é fácil. Fazer comédia não é nada simples, como muita gente pensa. Meus personagens são sempre junções de muitas coisas. Sou o tipo de ator que observa as pessoas no dia a dia, e guardo as informações. Na hora de construir novos personagens, utilizo os registros que têm mais a ver.
Topíssima tem recebido boas críticas pela dramaturgia contemporânea. Como é o clima nas gravações?
A equipe virou uma família. Como a gente grava num ritmo acelerado, convivemos mais uns com os outros do que com nossos próprios parentes e amigos. No núcleo da república, por exemplo, a gente já tem uma intimidade, parece que somos melhores amigos de anos.
Quais lembranças das novelas que fez na Globo?
São muitas. Lá fiz grandes amigos e tive minhas primeiras experiências no audiovisual. Foi uma grande escola mesmo. Sou grato e saudoso por tudo o que vivi lá.
Num post no Instagram, você escreveu que a “representatividade ainda é pouca, mas importa muito”. Sente-se representando os atores negros que não conseguem trabalho e visibilidade na mídia?
Sim. Toda vez que um ator negro é escalado para um personagem, ele leva junto todos os outros. Infelizmente os espaços e as oportunidades ainda não são iguais, e estão longe de ser. Em uma obra com até 90% de atores brancos, considerando que a maioria da nossa população é negra, dá pra notar que ainda existe um longo caminho a ser trilhado. Mas estamos na luta, e sou grato a todos os artistas negros que vieram antes de mim e abriram os caminhos. Por isso que a representatividade importa muito! É sobre ser exemplo, ter alguém como referência. Sinto a importância e o privilégio de representar tanta gente! Muitos meninos negros, que me veem na TV ou no teatro, podem acreditar que é possível viver da arte. Torço para que cada vez mais os espaços se abram, e que a gente tenha mais e mais representatividade negra em todos os campos de trabalho. É nosso direito.
Já passou por algum episódio de intolerância ou discriminação?
No trabalho, não. Pelo menos não chegou diretamente até mim. Mas na vida, você vai fazer essa pergunta para um negro e dificilmente não vai ouvir uma resposta afirmativa. A gente vive em um País que, infelizmente, ainda tem muitos resquícios de uma escravatura que é recente. Aconteceu há apenas cento e poucos anos, então tem muita coisa ainda entranhada na nossa sociedade. As oportunidades não são as mesmas, os olhares não são os mesmos, e isso não dá pra negar. Eu já fui seguido em mercado e lojas, muitas vezes por funcionários que também eram negros. Já fiz sinal para táxi e ele não parou, e logo na frente um menino branco fez sinal e o taxista parou. Fora outros pequenos racismos diários que enfrentamos e que as pessoas nem se dão conta.
Na festa de estreia de Topíssima, você usou uma saia. Acha importante militar contra os estereótipos masculinos?
Não acho que seja militância. A saia é uma peça de roupa que foi usada por reis e gladiadores. Até Jesus Cristo usava uma túnica, que não deixa de ser uma espécie de vestido, né? A masculinidade de muitos homens ainda é frágil porque eles se abalam por pouco, seja por uma peça de roupa considerada feminina, por abraçar e beijar um amigo, por chorar em público. Se mostrar frágil ou mais sensível são coisas que não têm nada a ver com a sexualidade. Para mim, usar saia é apenas uma maneira de me expressar. É preciso desmistificar essas coisas porque existem questões mais profundas para nos preocuparmos.
Pingue-pongue:
A maior vaidade: “Perfume. Eu sou muito ligado em cheiros”.
Programa preferido na TV: “Atualmente, o seriado Sob Pressão (Globo)”.
Atrações que não perde no streaming: “Stranger Things, 3% (Netflix)”.
O que faz nas horas de folga: “Curto minha família e os amigos”.
Sua técnica para decorar os textos: “Mais importante que decorar, é entender o que a cena quer transmitir e o que o personagem quer dizer; aí o texto entra mais fácil na cabeça”.
Tipo de personagem que ainda quer fazer: “Personagens viscerais, que utilizem registros e energias densos”.
Atores que te inspiram: “Lázaro Ramos, Luís Miranda, Adriana Esteves, Jesuíta Barbosa... São tantos!”
Um filme inesquecível: “Pantera Negra”.
A novela que mais gostou de assistir: “Avenida Brasil (Globo)”.
Como se vê daqui a 10 anos: “Ainda vivendo da minha arte, estável na profissão, dando uma vida confortável aos meus pais e cercado das pessoas que eu amo. Em relação ao Brasil, que o respeito com o outro se torne primordial, e que a cultura e a educação sejam valorizadas”.
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