Globo e Bolsonaro dependem um do outro para atrair o público
Emissora líder no Ibope e presidente da República ganham popularidade com a guerra ideológica entre os dois
O telejornalismo é dependente de notícias. Precisa de manchetes chamativas e polêmicas para manter sua relevância. Informações positivas são bem-vindas, mas raramente mobilizam o público. Personagens burocráticos não atraem a atenção do telespectador. Nada pior para a imprensa focada em política e economia do que um presidente discreto, monossilábico, excessivamente diplomático e politicamente correto. Distante desse estereótipo, Jair Bolsonaro oferece farta matéria-prima aos jornalistas.
Ele se tornou uma máquina de controvérsias com produção diária, ininterrupta. Ajuda a vender jornais e revistas, gera milhões de cliques nos sites informativos e faz crescer a audiência de programas de TV. A Globo é a principal beneficiária desse estilo contundente do chefe do Executivo. Verborrágico, o presidente fornece pautas quentes aos telejornais do canal, especialmente ao 'Jornal Nacional'.
O principal jornalístico da emissora carioca elevou sua audiência desde o início da turbulenta presidência de Bolsonaro e ganhou ainda mais público com as recentes crises no governo: o conflituoso combate à pandemia de covid-19, os atritos doutrinários contra o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a batalha política deflagrada pela demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e os enfrentamentos cíclicos com o presidente da Câmara Rodrigo Maia.
Da parte de Bolsonaro, não faltam declarações bélicas, gestos surpreendentes, atitudes polêmicas, provocações e deboches. O telespectador corre para ligar a TV para conferir os desdobramentos das notícias que lê em sites, blogs e nas redes sociais. No caso da Globo, o público busca também uma resposta do canal — visto pelo presidente como seu inimigo número 1 na mídia — às críticas diretas feitas por Bolsonaro. Por isso, o boicote dos antiGlobo nunca surtiu efeito. Até quem detesta a emissora da família Marinho costuma espiar o 'JN' a fim de, posteriormente, falar mal do jornalismo da casa.
O produto comandado por William Bonner e Renata Vasconcellos começou esta década com queda relevante no Ibope. A decadência coincidiu com a ascensão da TV paga e a popularização de serviços de streaming como a Netflix. A situação começou a ser revertida em 2013, com a cobertura dos protestos de rua, conhecidos como Manifestações de Junho. A recuperação se acelerou com o interesse do telespectador pela campanha presidencial de 2014 e o processo de impeachment de Dilma Rousseff dois anos depois.
A eleição de 2018, quando Bolsonaro instaurou a polarização no País, rendeu mais pontos ao 'Jornal Nacional'. Desde então, o presidente se tornou o grande personagem do jornalismo brasileiro. Presença obrigatória em quase todas as edições dos telejornais. As pautas sobre Bolsonaro ajudam o 'JN' a ter picos acima de 40 pontos. Se por um lado, na visão de boa parte da mídia, ele representa uma ameaça às liberdades de imprensa e expressão, por outro, impulsiona o consumo de notícias.
Quanto mais radicaliza, mais Jair Bolsonaro colabora para a sobrevivência dos grandes meios privados de comunicação. No fundo, o ódio do presidente à Globo faz muito bem ao canal de TV tão prestigiado e atacado. E a Globo também o favorece: além de ser a maior vitrine que ele pode ter, ocupa a função de adversário todo-poderoso — figura indispensável em uma propagada guerra ideológica. Sem a Globo, o pelotão bolsonarista não teria outro alvo tão bom para atirar.