Globo não é ‘mãe’ de atores, e sim empresa em busca de lucro
Demissões e a não renovação de contratos com veteranos dão choque de realidade às estrelas da TV e ao público
O sonho acabou. O desejo de estar ligado à Globo com um contrato de longo prazo, com renovação automática, se tornou quase impossível a quem ambiciona entrar na emissora e improvável ao ator que já trabalha na empresa. O ‘novo normal’ no canal mais rico e influente da televisão brasileira é oferecer vínculo apenas por obra, com data certa para acabar, e com salário menor do que antes.
A Globo caiu na real. A queda de lucro nos últimos anos, a crise econômica brasileira pré-pandemia, o caos financeiro imposto ao mundo pelo novo coronavírus e a retração de 30% nos investimentos de publicidade no primeiro semestre de 2020 obrigaram a principal TV da família Marinho a se reestruturar. Cortar na carne para ganhar força de sobrevivência.
A Globo chegou a ter perto de 1.000 atores sob contrato. A maioria ganhava 100% do salário quando estava trabalhando em alguma produção e cerca de 60% do valor no período de “férias”, fora do ar. Ter exclusividade sobre artistas considerados importantes era visto pela cúpula da casa como imprescindível para evitar a transferência deles para os rivais SBT e RecordTV.
Os principais diretores temiam fenômenos de audiência como Pantanal, exibida em 1990 com audiência às vezes maior à do ‘Jornal Nacional’ e da novela das 21h Rainha da Sucata. A trama rural contou com vários atores que haviam construído carreira na Globo e, por terem ficado sem contrato com o canal carioca, foram seduzidos pela TV Manchete.
Hoje, a teledramaturgia dos principais concorrentes, SBT e RecordTV, não representa ameaça à liderança das novelas e séries da emissora do Rio. O último risco ocorreu em 2015, com os altos índices de Os Dez Mandamentos, do canal do bispo Edir Macedo. No momento, as produções de ficção da Globo marcam de duas a três vezes os índices dos rivais no Ibope. Manter atores contratados apenas para não irem para a concorrência deixou de ser necessário.
Naturalmente, a dispensa de veteranos da TV gera comoção e até revolta. A Globo é vista como ingrata e insensível. Mas não se pode esquecer que se trata de uma empresa privada, com intenção de lucro, autorizada a contratar e demitir, como qualquer outra companhia.
A realidade se impõe de maneira cruel. Nem a bilionária emissora escapa das adequações impiedosas para vencer os colossais desafios do novo mundo. Artistas conscientes da situação, como Tarcísio Meira e Glória Menezes, recém-desligados da Globo, compreenderam a decisão da emissora. A conjuntura exige menos individualismo e vaidade, e mais racionalidade e senso de coletivo.