Jovem que fala com canguru é raro personagem poético na TV
Bebeth, de ‘Pega Pega’, pode causar estranhamento no telespectador avesso ao realismo fantástico
Psicólogos afirmam ser normal uma criança ter um amigo imaginário. Mas quando isso acontece com um jovem adulto, suscita preocupação. É o caso de Bebeth, personagem de Valentina Herszage em ‘Pega Pega’ (Globo).
Ela vive encastelada num mundo à parte. Órfã de mãe e com uma relação distante com o pai, Eric (Mateus Solano), a garota encontra apoio e segurança num bicho de pelúcia – uma fêmea de canguru chamada Flor.
Efeitos especiais em 3D dão vida ao brinquedo. Bebeth ganha até abraços do marsupial de mentirinha. É em quem ela mais confia, com quem desabafa, a quem pede conselhos. Seu porto seguro ilusório.
A estudante não é louca. Sofre de estresse pós-traumático ocasionado pelo acidente de carro no qual sua mãe morreu – ou apenas desapareceu; eis um dos mistérios da trama.
Sentindo-se solitária e desprotegida, viu numa pelúcia a substituição do amor materno, do apoio paterno, do suporte de amigos de carne e osso. Uma transferência afetiva mais comum do que se imagina.
A personagem possui um grau de poesia raramente visto em novelas contemporâneas e realistas. Mistura o universo infantil, o realismo fantástico (gênero que explora as ilimitadas possibilidades da fantasia) e o conflito existencial vivido por milhões de adolescentes mundo afora.
É um tipo dramatúrgico ‘fora da caixinha’. E está aí sua principal qualidade: o perfil diferente, lúdico, que pode causar estranhamento no telespectador. A teledramaturgia precisa de mais personagens assim, que fujam de estereótipos e clichês.
Em breve, o canguru Flor deixará de ‘ter vida’. Voltará a ser tão somente uma pelúcia. Tudo indica que Bebeth logo irá se libertar de seus traumas e provavelmente terá um final feliz e convencional com o namorado Márcio (Jaffar Bambirra). Este, aliás, também vive num mundo de sonhos: a família é dona de uma companhia de teatro de bonecos.
Ainda que Bebeth se transforme numa mocinha típica de comédia romântica, terá valido a pena a intenção da autora Claudia Souto de oferecer um pouco de poesia e originalidade à faixa das 19h da Globo.