Majestosa, Chica Xavier foi a grande dama negra das novelas
Atriz soube se agigantar sem cena mesmo com as limitações de papéis coadjuvantes
Poucas personagens da teledramaturgia brasileira exalaram tanto amor maternal quanto a escrava Bá de Sinhá Moça, da Globo. Na versão de 1986, o papel coube a Chica Xavier. A atriz morreu neste sábado (8), aos 88 anos, em consequência de um câncer.
Aquela negra sofrida, que teve o único filho tirado de seus braços e vendido pelo inescrupuloso barão da casa onde trabalhava, era a mãe postiça da protagonista, vivida por Lucélia Santos. Alimentou a sinhazinha com o leite materno que não pôde dar ao próprio filho.
Apesar da dor na alma, ela jamais se revoltou. Não se tratava do conformismo associado à submissão do negro domesticado do Brasil escravagista, e sim de resiliência e bondade. Com Bá, Chica Xavier fez o telespectador se comover e sentir compaixão. A atuação transcendia a tela da TV.
Assim fazia a nobre artista: pegava uma personagem supostamente pequena e a transformava em destaque da trama. Isso aconteceu inúmeras vezes em sua trajetória de 44 anos diante das câmeras.
Como esquecer a realista Marlene de Dancin´ Days (1978), a destemida Júlia de Fera Radical (1988), a protetora Inácia de Renascer (1993) e a sábia Mãe Setembrina de Duas Caras (2007)?
Por força de sua negritude e da estereotipação vigente na televisão, a atriz fez incontáveis papéis de empregada. Contudo, o que seria limitador virava um desafio com resultado surpreendente. Abastecida de emoção e verdade, Chica Xavier entrava em cena e impunha seu talento.
Mais do que uma grande atriz, ela foi uma personalidade de valor imensurável na luta contra a discriminação racial na TV e na vida real. Fazia militância sem alarde, pautada por suas experiências de reação ao preconceito e pelas muitas vitórias em sua carreira exemplar.
Quase uma década atrás, em entrevista para a TV Boa Vontade, dona Chica Xavier — uma das últimas grandes damas da teledramaturgia nacional — revelou o segredo da vida feliz. "Amor. A base de tudo para mim é o amor. Amor entre amigos, amor entre colegas, amor de família. Se você conseguir gerar amor, sem depender do laço de sangue, é a coisa mais maravilhosa que existe."