Obrigar a Globo a escalar negros será um tiro pela culatra
De nada adiantará ter pretos e pardos em papéis secundários apenas para cumprir a ‘cota’
Os protestos contra a pequena participação de atores negros no elenco de ‘Segundo Sol’, nova novela das 21h ambientada na Bahia, estado com maior população afrodescendente do País, geraram um problema relevante à Globo.
O Ministério Público do Trabalho determinou medidas para a promoção de profissionais negros na teledramaturgia e no jornalismo da emissora.
O canal tem dez dias, a partir da notificação, para provar as mudanças no roteiro da novela e 45 dias para apresentar um cronograma de implementação de outras recomendações feitas pelo MPT.
Quem possui o mínimo de conhecimento do complexo processo industrial de uma telenovela sabe que as cenas são escritas, produzidas e gravadas com considerável antecedência, principalmente no começo da trama, quando a direção prepara maior frente de capítulos prontos.
Realizar mudanças abruptas será uma dor de cabeça para a Globo e, especialmente, aos autores da trama.
Dezenas de scripts terão de ser reescritos. Esse trabalho extra poderá afetar o andamento do folhetim.
E há uma questão crucial: para aumentar a presença de negros em ‘Segundo Sol’ será necessário criar personagens.
Com o enredo principal definido, é pouco provável que possíveis novos atores pretos ou pardos ocupem papéis de destaque.
Prevê-se a entrada de personagens secundários e, talvez, irrelevantes.
Colocados na novela tão somente para cumprir a tal ‘cota’ exigida pelo Ministério Público do Trabalho.
No fim, os negros, ainda que em maior quantidade, estarão no lugar de sempre: fazendo fundo aos protagonistas brancos – e provavelmente ganhando bem menos que os colegas de pele clara.
Essa pressão por ocupação negra no horário nobre da Globo terá outro efeito colateral: o aumento da antipatia à causa.
Boa parte do público certamente vai interpretar a atitude do MPT como intransigente e tomará posição contrária à reivindicação da classe artística por mais espaço de trabalho a atores não-brancos.
A teledramaturgia, que se pretende um espelho da sociedade, deve realmente fazer melhor representação da diversidade brasileira.
Mas que isso seja realizado por imposição – e sem a garantia de bons papéis aos negros – não parece ser a melhor solução para o caso.
A falta de real conscientização e amplo diálogo poderá, mais uma vez, gerar resultados frustrantes no combate à invisibilidade de artistas negros brasileiros na TV.
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