Odiada, Bibi é a melhor personagem do ano na teledramaturgia
Ambígua e complexa, a ‘baronesa do crime’ subverteu a imagem de protagonista ‘do bem’
“Cuidado com as ilusões, mocinha, profundas e enganosas feito o mar”, escreveu o romancista, jornalista e dramaturgo Caio Fernando Abreu (1948-1996), um pensador que faz falta à inteligência do País.
A frase serve como luva para Bibi, a esposa iludida de ‘A Força do Querer’. Em consequência do amor patológico pelo marido bandido, Rubinho (Emílio Dantas), ela abandonou a honestidade, a ética e a autopreservação.
Renunciou a tudo o que zelava enquanto estudante de Direito para se tornar um ‘soldado’ do crime.
Para ela, a delinquência compensa se servir para a manutenção de seu casamento e a conquista da vida confortável com a qual sempre sonhou.
Mas ainda há uma centelha de correção em Bibi: às vezes se autoflagela em crises de consciência suscitadas pelos alertas da mãe, a sensata Aurora (Elizângela).
Gosta do status conquistado com a bandidagem, mas ainda exibe pudores incompatíveis com o meio cruel no qual se meteu: não foi capaz de atirar contra um anônimo que tentou enganar a gangue de seu protetor Sabiá (Jonathan Azevedo).
Trata-se de uma anti-heroína complexa poucas vezes vista em telenovelas. O telespectador ama odiar Bibi.
Gloria Perez ousou ao colocar como protagonista de ‘A Força do Querer’ uma personagem pela qual a maioria do público torce contra: a quer presa ou morta, naquele ‘justiçamento’ típico da passionalidade brasileira.
Em outro aspecto de sua trama, Bibi enfrenta um drama comum às mulheres: a concorrência feminina e a desvalorização imposta por muitos maridos.
Ela se faz de altiva e inabalável, mas sofre com o cerco da ‘novinha’ Carine, papel de Carla Diaz. Na vida real, quantas esposas já não foram trocadas por ninfetas do tipo?
No fundo, sabe que no menor descuido perderá o homem de sua vida – e seu castelo de areia vai ruir. Neste ponto, de nada vale o tal ‘empoderamento’ da Perigosa. Bibi se martiriza como qualquer mulher ameaçada.
E há ainda a paixão mal resolvida por Caio (Rodrigo Lombardi), cuja figura representa a vida perfeita que ela poderia ter tido e também a justiça contra sua escolha pela ilegalidade.
E assim, às vezes no auge e, no minuto seguinte, extremamente fragilizada, Bibi exala dubiedade, contradições e incertezas.
O público pode não gostar dela, mas é a melhor personagem da teledramaturgia brasileira vista até aqui neste ano. Juliana Paes merece aplausos e prêmios por atuação tão competente.