Peça sobre homofobia Bruta Flor terá leitura no Facebook
Diretor Marcio Rosario diz que o teatro e a TV precisam reagir à onda de preconceitos e critica visão de Bolsonaro sobre LGBTs
"Onde queres prazer, sou o que dói", canta Caetano Veloso em O Quereres. A mesma canção tem o famoso refrão "Ah! bruta flor do querer / Ah! bruta flor, bruta flor". A brutalidade de sentimentos intensos, que provocam prazer e dor, conduzem a narrativa da peça Bruta Flor. O drama que fez sucesso na cena teatral paulista terá uma leitura online hoje, a partir das 21h, na página @teatropopularjoaocaetano no Facebook.
No palco e na tela (do celular, do tablet ou do computador) estarão os atores Lidi Lisboa (protagonista de Jezabel, da RecordTV), Alex Morenno (o Francisco de Novo Mundo, da Globo) e Luciano Schwab (visto na novela Jesus e em vários espetáculos de sucesso).
A partir de um jovem casal e de um gay assumido, Bruta Flor aborda a homossexualidade livre, o desejo reprimido, a homofobia internalizada e o machismo intrínseco à sociedade brasileira. O responsável pelo espetáculo e idealizador da leitura online, Marcio Rosario, conversou com o Terra.
Como chegou até esse texto e qual a data da primeira montagem?
Produzi e dirigi a primeira montagem de Bruta Flor em 2016. Estreamos em São Paulo e ficamos em cartaz por quase 3 anos ininterruptos, entre sessões na capital e em outras cidades do estado. Foram mais de 150 sessões com sucesso de público e crítica. Em 9 temporadas, tivemos muitos atores passando pelo elenco, dando vida a esses personagens interessantes e atuais. O texto veio de uma encomenda que fiz aos autores Vitor de Oliveira e Carlos Fernando Barros. Eu queria muito falar sobre preconceitos em geral e, especificamente, homofobia. A abordagem é profunda e há uma dose de espiritualidade.
Nesses 4 anos de existência do espetáculo, a questão da homofobia melhorou no Brasil?
Nao, piorou, e muito. O Estado brasileiro reconheceu a existência da LGBTfobia e, em 2019, o Supremo Tribunal Federal criminalizou a homofobia. Mas o presidente eleito por muitos, Jair Bolsonaro, desde a campanha eleitoral lançou uma cruzada contra o que chama de “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”, disseminando ódio contra LGBTs. O Brasil continua sendo campeão em mortes contra LGBTs e aqui uma pessoa trans vive em média apenas 35 anos. De acordo com as estatísticas oficiais, a cada 16 horas uma pessoa é morta por ser gay, lésbica ou trans. Nesse festival de intolerância e violência, a população LGBT se sente cada vez mais ameaçada. Não existe, da parte do presidente e de seus ministros, uma política pública que garanta os direitos dos cidadãos LGBTQIA+. Acredito que o governo federal deveria respeitar e proteger a todos. Esse presidente vai passar, e será descrito na história do Brasil como um dos governantes que menos fizeram para as minorias em geral e, especialmente, aos LGBTs.
Qual a importância de fazer essa leitura online da peça nesse momento de pandemia?
Acredito ser relevante pelo ponto de vista artístico e cultural. Tenho que parabenizar e agradecer ao projeto do Palco Presente da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, que deu a oportunidade para vários artistas mostrarem seu trabalho. Vamos realizar a leitura do texto na íntegra, pois na montagem original eu o adaptei para o palco. Depois da transmissão ao vivo, o público vai poder debater com o elenco, os autores e comigo, diretor do espetáculo. Esse novo modelo, o teatro online, criado durante o distanciamento social imposto pela pandemia, vai fortalecer e preservar a cultura e seus valores. O projeto Palco Presente dá continuidade às ações de incentivo à cultura e ao setor artístico durante esse período de restrições, sem a possibilidade de abrir os teatros para o público.
Como escalou os atores dessa leitura online?
Sempre escolho atores que admiro e respeito por seus trabalhos e, dessa vez, não foi diferente. A Lidi Lisboa fez o espetáculo na estreia, em 2016. Defendeu a personagem Simone com muita garra. Depois precisou sair do elenco para fazer um trabalho na TV. Luciano Schwab e Alex Morenno são atores com quem sempre quis trabalhar. Agora eles estavam com a agenda disponível. Fico feliz de contar com atores intensos nos papéis de Miguel e Lucas.
Planeja uma nova montagem de Bruta Flor?
Sim, iríamos estrear uma temporada esse ano no Rio de Janeiro, onde o espetáculo continua inédito, e depois o levaríamos a Portugal. Com a pandemia, tudo mudou. Pretendemos encenar em Lisboa e no Porto, com elenco português, em 2021. A temporada carioca ficará para 2022. Além disso, estamos desenvolvendo o longa metragem baseado na peça. A direção será do Hsu Chien ('Ninguém Entra, Ninguém Sai', 'Flerte', 'Meu Preço').
Você está no ar, na reapresentação de Fina Estampa, e fez vários outros trabalhos em TV como ator e diretor de produção. Avalia que a televisão tem um papel importante no combate aos preconceitos em geral?
As emissoras de TV precisam falar mais dos direitos das minorias e, especificamente, da comunidade LGBT. A maioria dos telespectadores, e do público em geral, nem sabe quais são esses direitos. Com seu grande alcance, a televisão pode informar e educar milhões de pessoas ao mesmo tempo. Sabemos que alguns bons jornalistas até tentam pautar esses temas, mas são vetados por seus superiores. Muita gente que comanda a TV ainda acredita que falar de gays, lésbicas e transexuais pode afastar anunciantes. A questão financeira pesa. Está na hora de os canais mostrarem muito mais do que as paradas gays. É fundamental discutir com profundidade as questões dos LGBTs na sociedade.