Quem na Globo sempre mandou, agora é contrariado na CNN
Veterano Alexandre Garcia encara nova realidade ao interagir com o destemido âncora Rafael Colombo
A CNN Brasil é, hoje, o canal de notícias com maior pluralidade no País. Há espaço para o pensamento de direita e argumentações em defesa do bolsonarismo, enquanto a ‘rival’ GloboNews sustenta discurso único, liberal e contra o presidente.
Apoiador de Jair Bolsonaro, Alexandre Garcia representa o jornalismo ligado à direita. Virou uma espécie de baluarte do conservadorismo na CNN Brasil, onde rebate críticas às políticas públicas do presidente.
Até aí, nenhum problema. Ele desempenha um papel legítimo e necessário dentro do conceito de jornalismo imparcial e aberto ao contraditório. A divergência é saudável. A controvérsia surge quando o jornalista rejeita a contestação.
A imprensa on-line e as redes sociais repercutiram — do tom crítico ao deboche com memes — momento inusitado e constrangedor entre Alexandre Garcia e Rafael Colombo ocorrido na edição de quinta-feira (6) do ‘CNN Novo Dia’.
O comentarista defendeu o direito de o presidente assinar um decreto proibindo medidas restritivas de isolamento social, sob o argumento de preservar o direito de ir e vir do cidadão, e se manifestou contra quem diz que ele não pode tomar tal medida.
“Eu vi hoje no jornal: ‘Bolsonaro ameaça com decreto’. Estamos ‘ameaçados’ de que alguém nos faça cumprir a Constituição. Isso resume tudo. É o verdadeiro pleonasmo abusivo”, afirmou, irônico.
“Mas na Constituição tem o direito à vida, também, né, Alexandre?”, rebateu o âncora. “Os governadores e prefeitos não estão tentando garantir o direito à vida?” O até então sorridente comentarista ficou sério, suspirou fundo e se manteve em silêncio por 10 segundos.
Sem resposta, Rafael decidiu encerrar. “Valeu, Alexandre, a gente volta a conversar amanhã”, avisou. Foi interrompido pelo colega. “Estou sendo entrevistado”, reclamou Alexandre. “Oi, desculpa, pensei que você não estivesse ouvindo”, respondeu o âncora. “Não sei se a gente volta”, informou o veterano, visivelmente contrariado, e já se levantando da cadeira sem esperar o final da transmissão. “Ok”, concluiu Rafael.
Foi o embate mais sério entre os dois, mas não o primeiro. Tiveram discordâncias anteriores. Sempre pelo mesmo motivo: Alexandre justifica declarações e atos de Bolsonaro, e Rafael se posiciona ao lado de cientistas e da narrativa progressista e antibolsonarista da maioria dos jornalistas de TV.
Outra situação igualmente ecoada na mídia aconteceu em 7 de agosto do ano passado. Após Alexandre apresentar recorrente defesa do uso da cloroquina no tratamento de pacientes de covid-19, Rafael fez contundente discurso contra a aplicação do medicamento sem comprovação científica contra a doença.
“Tenho todo respeito pela carreira e pela história do Alexandre, mas me sinto no direito e no dever de fazer esse posicionamento”, disse. Na época, o Brasil lamentava a marca de 100 mil mortos e o presidente da República insistia em ‘prescrever’ a hidroxicloroquina em lives e nos encontros com apoiadores. “Ninguém provou que ela está funcionando, né, Alexandre?”, insistiu o âncora.
Na Globo, onde trabalhou de 1988 a 2018 (foi inclusive diretor de jornalismo do canal no DF), Alexandre Garcia nunca era contestado diante das câmeras ou nos bastidores. Tornou-se a voz mais poderosa da emissora em Brasília. Na CNN Brasil, como mais um entre vários comentaristas, ele enfrenta pela primeira vez a objeção — e não uma vez apenas, mas quase cotidianamente.
Engajado, Rafael Colombo cumpre a função de lançar o contraponto. Para o telespectador da CNN Brasil, é interessante assistir ao confronto de um promissor âncora de 43 anos com um ícone do jornalismo, de 80 anos. Contudo, para Alexandre Garcia, ser contraditado talvez não seja uma experiência agradável.
Nesta sexta-feira (7), o veterano voltou a aparecer no quadro ‘Liberdade de Expressão’ no ‘CNN Novo Dia’. Garcia e Colombo interagiram sem citar a rusga de ontem. Não houve sinal de animosidade. Para o bem do jornalismo, espera-se que ambos continuem a diferir. De preferência, com a cortesia que o público merece ver.