Rafael Primot fará vilão na Globo: 'Amor pode virar doença'
Ator foi escalado para interpretar homem que impõe relação abusiva à namorada
Quem vê a cara de bom moço de Rafael Primot não imagina que ele poderá se tornar um dos homens mais odiados pelos telespectadores.
Seu personagem na websérie Aruanas será Ramiro, o namorado violento de Clara (Thainá Duarte). Na ficção, ele representa a assustadora onda de violência moral e física contra as brasileiras.
Durante o processo de composição, o ator tomou consciência da gravidade do problema. “Fui percebendo o quanto as relações amorosas podem se transformar numa ferramenta doentia de poder sobre o outro.”
A produção gravada em parte na Amazônia vai estrear na GloboPlay, em data ainda não definida, com exibição posterior na TV Globo.
Multifacetado, Primot também é roteirista, dramaturgo e diretor de teatro. No momento, assina a direção de Os Guardas do Taj, espetáculo com Reynaldo Gianecchini e Ricardo Tozzi em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.
Ainda este ano, Primot viverá seu primeiro protagonista na série Chuva Negra, coprodução do Canal Brasil e o serviço de streaming Now, além de roteirizar, dirigir e atuar no filme Reencontro, da produtora PopCorn em parceria com a Paris Filmes.
Em entrevista ao Terra, o artista paulista, de 36 anos, comentou a boa fase na carreira, entre outros assuntos.
Em Aruanas você vive um homem que envolve a namorada em um relacionamento abusivo. Qual a importância desse personagem?
É meu primeiro vilão que trata de um tema tão presente nos dias de hoje. Espero estimular a discussão sobre os limites das relações, o assédio, o amor excessivo e manipulador, os papéis masculino e feminino preestabelecidos na sociedade e o que se espera de cada um. Vi muitos documentários e, conversando com amigos próximos, percebi o quanto as relações amorosas podem se transformar numa ferramenta doentia de poder sobre o outro.
O elogiado espetáculo Os Guardas do Taj faz sucesso em nova temporada paulistana. Você promoveu mudanças na peça?
Quase não teve mudanças, mas o teatro lindo ajudou o cenário e a luz a ficarem mais impactantes. Os espaços abertos e os vãos nos remetem mais à grandiosidade do Taj Mahal.
A peça suscita reflexão a respeito das belezas do mundo e de nossa eventual incapacidade de enxergá-las. Na sociedade brasileira atual, essa cegueira está pior?
Acho que nos dias de hoje todos temos mais voz e isso é maravilhoso. Mas, muitas vezes, por estarem protegidas pelo celular ou computador, as pessoas se revelam mais amargas, menos abertas ao diálogo e isso é um tanto perigoso para as relações. As pessoas estão mais agressivas e acabam agindo por impulso, sem ter o tempo da análise dos fatos. A beleza do mundo sempre passou por ameaças, em todos os tempos, mas agora, especialmente, a beleza que vem da cultura, das artes, do teatro, do cinema (que é uma das metáforas possíveis do texto) está sob forte ameaça de ser praticamente extinguida, como o Ministério da Cultura foi. A arte e a beleza têm sido um alvo errado de mal-entendidos e ataques. Ao invés de saírem em defesa de sua manutenção, as pessoas estão sendo manipuladas a partir para o ataque, como se fossem um animal perigoso. É assustador.
Há glamourização excessiva do trabalho do ator e, especialmente, em torno de quem atua na Globo. Percebe isso no seu ciclo próximo e na relação com os telespectadores?
Não dou atenção a isso nem nunca darei. O ofício do ator é como o do carpinteiro, requer estudo, dedicação, é artesanal. Acho maravilhoso quando a obra resultante dessa carpintaria faz sucesso e é vista, falada, comentada. Mas o que precisamos valorizar é a obra e não se o ator-carpinteiro come glúten ou faz o regime paleolítico. Isso não tem a menor importância, percebe? Quero saber do processo de criação, a glamourização não me interessa.
No Brasil, poucos artistas escrevem, dirigem e atuam. Como avalia essa sua atividade múltipla?
Comecei a fazer isso por necessidade. Queria papéis que não me ofereciam, atuar em filmes para os quais não era escalado, então resolvi produzir as obras que me possibilitassem investigar e mergulhar nestes mundos que me interessavam. Mercadologicamente falando não é bacana, o público e a mídia têm certa dificuldade de aceitar atores em múltiplas funções. Mas isso sempre aconteceu ao longo dos tempos. Atrizes e atores que admiro, de alguma maneira sempre estiveram por trás de seus projetos mais interessantes, seja escrevendo, dirigindo, atuando ou apenas idealizando. Não sei se é o melhor caminho, mas foi o caminho viável até aqui. E foi essa trajetória que me trouxe convites incríveis, como os de fazer Deus Salve o Rei, Tapas e Beijos, Aruanas, e filmes de outros diretores. Ainda bem que não fiquei parado. É um caminho duro, de que brar pedra. O suor é mais salgado, mas também muito saboroso.
Em 2019 você estará envolvido com teatro, cinema e TV. Como faz suas escolhas profissionais e o direcionamento da carreira?
Escolho projetos que tenham algo a dizer, a mínima pretensão de tratar temas caros para mim ou para a sociedade. Apesar dessa nuvem negra que paira sobre a arte atualmente, eu sinceramente acredito no seu poder transformador e agregador.
O que assiste com frequência na TV e quais atores o inspiram?
Vejo muitas séries. No momento, estou assistindo a Assédio e Killing Eve, na GloboPlay, e a uma série da Netflix que estou adorando, Dez Por Cento, sobre os bastidores de uma agência de atores franceses. E tudo o que Marjorie Estiano, Débora Falabella e Andrea Beltrão fazem, eu assisto!