Repórter fura Globo ao mostrar quarto do assassino de Suzano
Ana Paula Abrão foi afetada pela onda de demissões na RedeTV! logo após gravar material exclusivo para o Sensacional
Será exibida esta noite a última e mais relevante matéria feita por Ana Paula Abrão para o programa de Daniela Albuquerque.
A jornalista conquistou a confiança da família de Guilherme Taucci Monteiro, o jovem de 17 anos apontado como mentor e principal executor do ataque à escola Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo.
O massacre ocorrido em 13 de março deixou oito vítimas fatais, entre alunos e funcionários. Ao ficar frente a frente com policiais militares, Guilherme atirou no comparsa, Luiz Henrique de Castro, e em seguida se matou.
Na semana da tragédia, a imprensa procurou a família dos assassinos, porém, os principais parentes da dupla preferiram não se expor.
Repórter de TV há 13 anos, Ana Paula Abrão conseguiu o furo jornalístico que a Globo tanto tentou, sem sucesso.
A reportagem exclusiva que revela a intimidade de Guilherme Taucci Monteiro marca a saída dela da RedeTV!
‘Para minha surpresa, no final da gravação desse programa (realizada na sexta-feira 28/03) fui informada do meu desligamento, com a justificativa de redução de custos’, informou em seu perfil no Facebook. ‘Sem dúvida nenhuma, me despeço com chave de ouro.’
Ana Paula Abrão conversou com o Terra.
Como surgiu a ideia de procurar a família do assassino?
O Sensacional propôs a pauta ‘Você sabe o que seus filhos fazem na internet?’ Diante do assunto, sugeri à diretora do programa ir atrás do avô, que era quem cuidava diretamente do suposto mentor do ataque, Guilherme Taucci Monteiro.
O menino era vidrado em jogos de videogame. Eu queria mostrar a realidade daquele garoto e entender até que ponto o vício em jogos violentos teve influência na execução do crime.
Como chegou até a família?
Busquei na internet o endereço da lan house onde a dupla de amigos frequentava, e da loja de carros do tio de Guilherme (Jorge Moraes), assassinado antes do ataque à escola. Eu tinha noção de que tudo era muito próximo.
Na lan house, conversei com uma funcionária, que não soube fornecer a informação. Consegui o endereço com um vizinho da loja de carros do tio, que estava fechada. Ao chegar ao endereço, chamei pelo nome do avô, seu Luiz, mas quem me atendeu foi a nora dele, Karina, tia de Guilherme.
A família foi receptiva à abordagem?
A princípio, ela ficou na defensiva. Já estava esgotada com tantos jornalistas rondando a casa. Mas, aos poucos, fui ganhando a confiança. Usei meu profissionalismo e uma dose de humanidade. Coloquei-me no lugar daquelas pessoas e pensei como gostaria de ser tratada. Olhei fixamente nos olhos dela e tentei passar a minha sinceridade. Surtiu efeito e ela foi cedendo.
Quando vi, já estava segurando no meu colo a filha dela, de quatro anos, mesma idade da minha filha. Segundo Karina, o sogro voltaria às 17h30 para casa. Decidi percorrer de carro o caminho que ele fazia. No trajeto encontrei um senhor numa bicicleta, com duas crianças ao lado. Logo deduzi que eram as irmãs de Guilherme (uma de 7 anos, outra de 9). Desci do carro e dei um abraço em seu Luís. Um abraço sincero.
Ele tem 57 anos, é frágil, anda com dificuldade. Pedi para que concedesse a entrevista. Ele disse que já tinha falado tudo. Insisti, então seu Luiz me olhou, pensou, e disse que faria. Pela primeira vez não pediu para preservar o rosto e também pela primeira vez, depois da tragédia, voltou ao quarto do neto.
O que sentiu ao descobrir o universo íntimo do rapaz?
Como qualquer jornalista, eu queria entrar no quarto onde o menino passava a maior parte do dia. Foi difícil, porque o espaço estava da mesma maneira que o garoto deixou quando esteve ali pela última vez. Tentei compreender o que se passava na mente daquele adolescente.
Começamos a gravação. Garimpei objetos no cômodo, mostrei diplomas dos cursos que ele concluiu, a cama ainda desarrumada, uma caixa de chocolates que Guilherme havia consumido no dia do ataque, o computador que utilizava... De repente, me dei conta da emoção do seu Luiz.
Em meio àquela tensão e completa desorganização, percebi que para o avô ainda era inconcebível que o neto, por quem ele tinha tanto carinho, tivesse sido capaz de causar tantas mortes, tanta dor.
Foi a cobertura jornalística mais difícil que fez até hoje?
Acredito que sim. Já fiz todo tipo de cobertura. Como jornalista, na medida do possível, tento não me envolver emocionalmente com a pauta para levar a informação de maneira sóbria e imparcial. Mas, numa tragédia como essa, envolvendo crianças, seria desumana se ficasse insensível.
Qual foi sua reação, como mulher e mãe, ao tomar conhecimento do massacre na escola?
Terrível. Eu me coloquei no lugar daquelas mães que tiveram seus filhos mortos. Nós somos intuitivamente protetoras em todos os aspectos no que diz respeito aos nossos filhos. Saber que num momento de desespero absoluto, eles tiveram que se defender sozinhos... Surge uma sensação de culpa, mesmo sem ter, de fato, qualquer responsabilidade pelo destino deles.
(O programa Sensacional com a matéria especial de Ana Paula Abrão vai ao ar hoje, a partir das 22h45, na RedeTV!)