Vencedora do Oscar foi discriminada na cerimônia e ao morrer
Um dos episódios de racismo contra a coadjuvante de 'E o Vento Levou' está retratado em minissérie da Netflix
Os ativistas antirracistas comemoraram a retirada do clássico 'E o Vento Levou' da plataforma de streaming HBO Max. O filme de 1939, sempre presente na lista dos melhores de todos os tempos, mostra escravos submissos a seus patrões brancos e conformados com a discriminação racial no período da guerra civil americana (1861 a 1865). O estereótipo do negro servil, alienado e bufão é apresentado por meio da personagem Mammy, a 'mãe preta' da protagonista Scartlett O´Hara (Vivien Leigh).
A babá de sinhazinha foi interpretada por Hattie McDaniel. Sua atuação gerou um feito histórico: ela se tornou a primeira negra a ganhar um Oscar, o de Melhor Atriz Coadjuvante. O que poucos sabem é o drama vivido pela artista do Kansas para receber a estatueta dourada. Para que ela pudesse comparecer à cerimônia, a produção da 12ª edição do Oscar, realizada em fevereiro de 1940, precisou pedir uma autorização especial ao The Ambassador Hotel, em Los Angeles, para ela entrar no prédio. Naquela época, eram autorizados a passar da porta somente negros que trabalhassem no edifício ou que fossem empregados de hóspedes.
Vencida a primeira barreira, surgiu outra. Na noite da premiação, Hattie foi barrada no salão onde acontecia o Oscar. Precisou esperar do lado de fora, em um canto, até o anúncio das indicadas de sua categoria. Quando a aclamaram como vencedora, os seguranças enfim liberaram a passagem até o palco. Esse execrável momento da história da indústria cinematográfica está retratado em um episódio da minissérie 'Hollywood', produção original da Netflix. Quem vive McDaniel é Queen Latifah, uma das estrelas afro-americanas mais influentes do cinema e indicada ao Oscar como coadjuvante pelo musical 'Chicago', em 2003.
Em uma cena de Hollywood, Hattie McDaniel conta à jovem atriz Camille Washington (Laura Harrier) o racismo sentido na pele nos bastidores da cerimônia e a encoraja a não aceitar o mesmo tratamento indigno quando for indicada ao prêmio. Inspirada pela precursora, Camille chega à festa, enfrenta com vigor os racistas de plantão e se consagra ao ganhar a estatueta. A vida de Hattie após conquistar seu Oscar não foi nada fácil. Conseguiu poucos papéis relevantes e continuou a ganhar cachês várias vezes menores do que o de atrizes brancas.
Morreu aos 57 anos, de câncer de mama. Seu último desejo — ser enterrada ao lado de colegas da sétima arte no Hollywood Memorial Park Cemetery - não pôde ser realizado. O dono do cemitério não permitiu que o corpo de uma negra fosse sepultado em sua propriedade. Em 1999, 47 anos depois da morte da artista, a nova direção do cemitério construiu um pequeno obelisco a fim de reparar o racismo contra Hattie McDaniel. Na placa está gravado: "Para honrar seu último desejo".