Bolsonaro joga TVs em cilada ao tentar proteger sua família
Exigência feita pelo presidente para comparecer aos debates prejudicaria as emissoras e os telespectadores
Em entrevista à RedeTV!, Jair Bolsonaro afirmou estar disposto a participar dos debates de 2022, quando tentará a reeleição. Mas adota postura defensiva. “Não posso aceitar provocação, coisas pessoais, porque daí você foge da finalidade de um bom debate”, argumentou.
O presidente insistiu na condição prévia para enfrentar os adversários em encontros diante das câmeras. “Eu espero que as televisões que por ventura forem organizar o debate, que levem à risca bastante essa questão. É para falar do meu mandato. Até a minha vida particular fique à vontade, mas que não entrem em coisas de família, amigos, que não vai levar a lugar nenhum.”
Tradicionalmente, a cúpula dos partidos e das candidaturas faz acordos com a direção das TVs a fim de estabelecer regras. Por exemplo: não é permitido mostrar documentos ou exibir vídeos e áudios de celular durante o debate. Tal medida evita surpresas, ou melhor, armadilhas entre os oponentes.
A exigência de Bolsonaro de não ser confrontado com assuntos familiares extrapola o que geralmente é consenso. Há um acordo de cavalheiros de evitar citações e ofensas a familiares, porém, somente quando estes não estão diretamente envolvidos no jogo político.
No caso do presidente, seus três filhos mais velhos, o senador Flávio Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro atuam diretamente no Palácio do Palácio. Os dois primeiros estão sob investigação de esquema de rachadinhas.
O quarto filho, Renan Bolsonaro, teve uma empresa de eventos investigada pela Polícia Federal por tráfico de influência. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, gerou manchetes por ter recebido depósitos do assessor parlamentar Fabrício Queiroz, denunciado por esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Esses casos são munição valiosa aos candidatos que tentarão derrotar Bolsonaro nas urnas. Dificilmente os adversários vão aceitar a imposição do presidente de não ser questionado sobre as acusações envolvendo parentes. Poupá-lo seria fortalecer sua campanha.
Em relação aos canais, pesaria a suspeita de omissão e cumplicidade, e os debates ficariam insossos, livres de polêmica. O formato atual, excessivamente burocrático e já tedioso, seria ainda menos elucidativo com censura antecipada de temas relevantes.
Por outro lado, a ausência do presidente por não querer responder a respeito de atos de parentes desfalcaria os debates e causaria frustração nos telespectadores, sejam apoiadores ou críticos a ele. Todos querem ver os duelos televisivos entre Bolsonaro e Lula, Bolsonaro e Ciro, Bolsonaro e Moro, Bolsonaro e Doria, etc.
Difícil prever a solução das TVs para o impasse criado pelo presidente. Armou-se uma arapuca. Resta outra dúvida: ele também vai impor essa cláusula de proteção a seus familiares quando for convidado para a sabatina na bancada do ‘Jornal Nacional’?
Em agosto de 2018, ao afrontar William Bonner e Renata Vasconcellos, Bolsonaro teve um dos melhores momentos da campanha. Ainda que jure detestar a Globo e até ameace não renovar a concessão da emissora, o presidente dificilmente vai abrir mão desse reencontro tão aguardado com os âncoras que ele tanto ataca.
Em tempo: ao longo de 2018 aconteceram 7 debates com transmissão nacional (Band, RedeTV!, TV Gazeta de São Paulo, TV Aparecida, SBT, Record TV e Globo). O mais visto foi o da Globo, mediado por Bonner, com média de 22 pontos. Este índice representaria, hoje, 4,5 milhões de pessoas assistindo somente na Grande São Paulo, principal área de aferição de público da Kantar Ibope.