Bolsonaro usa a Globo contra a Globo em entrevista no 'JN'
Presidenciável surpreende Bonner e Renata ao citar a vida pessoal de ambos e usar frase pró-ditadura de Roberto Marinho
Jair Bolsonaro foi o segundo entrevistado na série do Jornal Nacional com os presidenciáveis. Diante de algumas perguntas baseadas em polêmicas declarações dele próprio, o candidato incomodou William Bonner e Renata Vasconcellos ao fazer comparações citando a privacidade dos âncoras.
Contestado por dizer que, caso fosse empregador, não pagaria a uma mulher o mesmo salário de um homem em igual função, o militar reformado citou a diferença de ganhos entre os dois apresentadores do JN.
É indiscutível que Bonner ganha muito mais do que Renata. Faltou esclarecer questões subjetivas da diferença salarial, como as funções atrás das câmeras (ele é editor-chefe; ela, editora executiva) e o tempo na bancada.
Bonner está na Globo desde 1986, e no JN há 22 anos. Renata foi da GloboNews para a Globo em 2003 e estreou no principal telejornal da emissora há menos de quatro anos. Portanto, a diferença de valores não tem a ver com o gênero.
Ao ser citada pessoalmente, Renata Vasconcellos demonstrou desconforto e fez questão de responder. “O meu salário não diz respeito a ninguém, e eu posso garantir ao senhor, como mulher, que eu jamais aceitaria ganhar um salário menor de um homem que exercesse as mesmas funções e atribuições que eu”, disse.
Bolsonaro ainda rebateu outra colocação da âncora. Ela ressaltou que, como contribuinte, ajuda a pagar o salário do deputado. “Você vive em grande parte, aqui, com recursos da União”, retrucou o presidenciável. “São bilhões que o Sistema Globo recebe de recursos da propaganda oficial do governo.”
Neste mesmo embate sobre o parlamentar defender que homens ganhem mais do que as mulheres, Jair Bolsonaro produziu humor involuntário. “Renata, você leu, viu ou ouviu isso?”, quis saber. “Eu ouvi e li”, respondeu a jornalista. “Isso foi no programa da Luciana Gimenez?”, questionou. “Sim”, confirmou a âncora.
Não é todo dia que uma atração da RedeTV!, o Superpop, ganha destaque no horário nobre da Globo. Minutos depois de ser citada no principal telejornal da televisão brasileira, a apresentadora postou um vídeo no ‘Stories’ do Instagram. “Gente, não me deixam em paz! Jornal Nacional! Eu tô aqui quieta em Nova York. O que eu posso fazer? O povo não me esquece!”, ironizou Gimenez.
Em outro momento, houve referência direta à vida pessoal de William Bonner. Insistentemente questionado a respeito de hipotético rompimento futuro com seu candidato a Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, Bolsonaro disse ao jornalista: “Nós, Bonner, somos (homens) separados. Até o momento da nossa separação, nós não pensamos numa mulher reserva”.
O âncora insistiu na possibilidade de Bolsonaro “se descasar” de Guedes. “Bonner, quando nós nos casamos, eu com a minha esposa e você com a sua (Fátima Bernardes), nós juramos fidelidade eterna, e aconteceu um problema no meio do caminho, e não cabe a ninguém discutir esse assunto.” Bonner e Fátima anunciaram a separação em agosto de 2016, após 26 anos de união.
Mais uma situação embaraçosa aconteceu quando o candidato do PSL foi confrontado a respeito de uma declaração de seu vice na chapa. O General Mourão levantou a possibilidade de intervenção militar em caso de caos nos poderes da República. Bonner quis saber qual seria a solução que os militares iriam “impor ao Brasil, uma democracia”.
“Eu fico com Roberto Marinho, porque ele declarou no dia 7 de outubro de 1984, vou repetir aqui”, disse Bolsonaro. “O senhor vai repetir?”, indagou Bonner, incrédulo, referindo-se a um comentário do candidato feito durante sabatina na GloboNews, no dia 3 deste mês, sobre o apoio do fundador do Grupo Globo, morto em 2003, ao regime militar.
“Vou repetir: ‘Participamos da revolução democrática de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, distúrbios sociais, greves e corrupção generalizada’. Repito a pergunta aqui: ‘Roberto Marinho foi um ditador ou um democrata?’”
“Já houve editorial sobre isso, o senhor certamente está informado. Nós vamos encerrar agora por causa do tempo”, disse o apresentador, antes de pedir ao entrevistado as considerações finais em 1 minuto.
Após concluir, Bolsonaro teve a intenção de cumprimentar Bonner e Renata, mas o aperto de mão não aconteceu – pelo menos aos olhos do telespectador. Bonner voltou-se à câmera para chamar o intervalo. Sua colega de bancada não foi mais mostrada naquele bloco.
Antes do final da edição do JN, William Bonner leu uma nota emitida pela cúpula do Grupo Globo: “O candidato Jair Bolsonaro disse há pouco que Roberto Marinho, identificado com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, apoiou editorialmente o que chamava então de revolução de 1964. É fato. Não somente O Globo, mas todos os grandes jornais da época. O candidato Bolsonaro esqueceu-se porém de dizer que, em 30 de agosto de 2013, O Globo publicou editorial em que reconheceu que o apoio editorial ao golpe de 1964 foi um erro. Nele, o jornal diz não ter dúvidas de que o apoio pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento, a atitude certa, visando ao bem do País. E finalizava com essas palavras: ‘À luz da história, contudo, não há por que não reconhecer hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período, que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto e, quando em risco, ela só pode se salva por si mesma’”.
Um comunicado com o mesmo teor foi ‘soprado’ no ouvido da jornalista Miriam Leitão, por meio do ponto eletrônico, na igualmente tumultuada sabatina de Jair Bolsonaro na GloboNews, no começo de agosto.
Quem esperava que o mais controverso presidenciável desta eleição fosse ser massacrado no Jornal Nacional foi surpreendido pelo senso de oportunidade de Bolsonaro ao usar a Globo contra a Globo para escapar de várias contestações. Os anti-Globo podem dizer que a emissora provou do próprio veneno.
O que se viu, acima de tudo, foi um confronto que reforça o valor do telejornalismo. Mesmo com a força crescente da internet, a televisão continua a exercer influência imensurável numa eleição. É o mais poderoso cabo eleitoral de qualquer candidato.
Jair Bolsonaro terá apenas 8 segundos de exposição em cada bloco da propaganda eleitoral na TV, que começa no sábado, dia 1º, para os presidenciáveis. Os 28 minutos da participação dele no Jornal Nacional de ontem geraram gigantesca visibilidade, maior do que terá em todo o horário político na televisão.
Veja também: