Canais de TV arriscam reputação ao dobrar aposta em famosos polêmicos
Emissoras se curvam a figuras midiáticas que geram notícias negativas e ficam vulneráveis a diferentes tipos de prejuízo
Polemistas sempre rendem. Rendem audiência e repercussão na internet. Podem render também processos e um rombo no bolso.
A Jovem Pan começa a pagar um preço caro por dar espaço privilegiado a comentaristas adeptos da controvérsia como Rodrigo Constantino.
O YouTube suspendeu a monetização dos canais da rede como punição por "repetidas violações de políticas contra desinformação".
Com isso, a Jovem Pan deixará temporariamente de faturar cerca de R$ 55 mil por dia com a interrupção da renda de seu conteúdo compartilhado na web.
Dias atrás, dois comentaristas que desagradaram a Constantino ao vivo na TV, César Calejon e Leonardo Grandini, foram tirados do ar. O afastamento teria sido um pedido do veterano.
"... eu cansei de ser usado para atrair audiência, já que mais de 90% querem ouvir minhas análises, e ficar dividindo isso com quem busca surfar no nosso nome...", reclamou em vídeo após a confusão.
"Espero que estejam entendendo quem dá audiência para o programa", gabou-se, em referência ao 'Três em Um' da Jovem Pan News.
Audiência sem a receita do YouTube não vai valer muito para a manutenção da emissora. Apenas ter estrelas do conservadorismo no elenco não é suficiente para o canal de TV sobreviver e lucrar.
No início de novembro, o CEO da Jovem Pan, Roberto Araújo, gravou um vídeo exibido nas plataformas.
Afirmou que os veículos do grupo continuarão a defender "a família, as liberdades individuais, a imprensa livre e independente e o Estado mínimo".
Agora atingida duramente onde mais dói, o faturamento, a JP News terá de decidir entre manter a câmera aberta a comentaristas belicosos, rever a linha editorial para recuperar o dinheiro pago pelo YouTube ou permanecer a mesma e assumir o prejuízo.
Outra personalidade midiática a gerar discórdia no momento é Deolane Bezerra. A advogada acredita ser dona do reality show 'A Fazenda 14'. Faz e desfaz com a estranha conivência da RecordTV.
A repercussão na imprensa e nas redes sociais não poderia ser pior para a imagem da emissora do bispo Edir Macedo.
A impressão é de que há cumplicidade com o comportamento tóxico — ressaltado por ameaças a outros participantes do programa — da mulher que era anônima antes da morte acidental do marido, MC Kevin.
Ninguém entende o silêncio da direção de 'A Fazenda' e da cúpula da RecordTV. Defendem o 'quanto pior, melhor' a fim de atrair mais audiência? Sendo estratégia, o ônus se mostra maior do que o bônus.
O flagrante desrespeito de Deolane a alguns adversários e a certas regras da atração contribuíram para fazer desta edição de 'A Fazenda' a pior de um reality show brasileiro.
Pelo menos 1 grande anunciante deixou o programa por não querer sua marca associada a um espetáculo televisivo tão truculento e aparentemente sem pulso firme de quem o produz.
Em um tempo de tamanha animosidade entre os brasileiros, com cotidianos episódios de intolerância, a RecordTV lamentavelmente não se posiciona contra o assédio moral e o risco de violência.
Nem parece ser um canal ligado a uma igreja evangélica, que exibe novelas bíblicas e exige comportamento exemplar de seus profissionais de vídeo e dos funcionários de bastidores.
Na RedeTV!, o alto custo se dá com Sikêra Jr., apresentador do 'Alerta Nacional'. Por seus ataques ideológicos, ele gerou processos contra si mesmo e a emissora.
Em uma das ações julgadas, terá de indenizar Xuxa Meneghel em R$ 50 mil em razão de ofensas contra a artista em seu programa policialesco.
Por declarações interpretadas como homofóbicas, Sikêra foi denunciado ao Ministério Público por ativistas da causa LGBTQIAP+.
A modelo transexual Viviany Beleboni levou o apresentador à Justiça após se sentir difamada por ser exposta pejorativamente na atração.
No ar na RedeTV! desde o início de 2020, Sikêra Jr. foi considerado um fenômeno de audiência para o padrão da emissora, onde a maioria dos programas não consegue média de 1 ponto no Ibope.
Hoje, a situação é diferente. O 'Alerta Nacional' perdeu relevante parcela de telespectadores. Já ficou em 7º lugar no ranking dos canais de TV aberta.
Na semana de 14 a 18 de novembro, sua média foi de 0,5. Longe dos programas com mais público da casa, 'A Tarde é Sua' e 'Operação de Risco', com médias entre 1,5 e 2,0 pontos.
Mesmo em baixa no Ibope, sem repercussão on-line e com brigas judiciais, Sikêra Jr. é mantido diante das câmeras e tratado como estrela pela RedeTV!.
Líder de público e com prestígio estratosférico, a Globo não escapa de semelhante conflito. Como explicar a omissão da emissora diante do caso Cássia Kis?
A atriz de 'Travessia' fez declarações consideradas homofóbicas em uma entrevista no YouTube, participou de manifestações onde se pedia intervenção militar (em afronta à Constituição) e foi denunciada por importunação ao Compliance — o departamento que lida com denúncias internas de funcionários — do canal.
O que aconteceu? Nada. Pelo menos até agora. A Globo soltou uma nota protocolar em que afirmou "repudiar qualquer forma de discriminação". Mas e quando o preconceito é propagado por um contratado?
Cássia Kis tem o direito de se posicionar politicamente, porém, levou para dentro da Globo uma questão pessoal: o apoio a ideias antidemocráticas e potencialmente lesivas às liberdades individuais e coletivas e à preservação do Estado de direito.
A Globo deveria ser mais firme. Ainda mais após defender incansavelmente a democracia em seu jornalismo e criar recentemente uma diretoria de Diversidade para promover mais inclusão entre seus colaboradores e na programação.
Talvez a emissora da família Marinho tenha optado 'esperar a poeira baixar' como recurso para não tomar nenhuma atitude enérgica, como aplicar uma advertência a Cássia Kis ou tirá-la da novela.
O assunto realmente saiu do foco, entretanto, a lesão à imagem do canal continua evidente. Parte significativa do público o vê como cúmplice ou condescendente com o que a atriz disse e fez.
Uma dubiedade inaceitável ao maior e mais influente grupo de comunicação do País, que reforçou seu discurso progressista e antissegregador ao longo do governo de Jair Bolsonaro.
Nestes casos exemplares, fica explícito o estrago às TVs que se submetem a uma determinada personalidade como se tivessem total dependência dela. Uma conduta autossabotadora.