Confessar um aborto destruiu protagonista e deprimiu atriz
Temática em evidência após declaração do pré-candidato Lula ainda é um tabu na teledramaturgia
A televisão costuma empurrar a sociedade à evolução de costumes. Suscita debates acalorados que geralmente resultam em quebra de tabus e maior aceitação de minorias.
A homoafetividade, por exemplo, passou a ser mais tolerada após a trama de amor de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso), com direito a beijo na boca inédito na Globo, em ‘Amor à Vida’ (2013/2014).
Alguns assuntos considerados altamente polêmicos ainda são evitados pelos autores de novelas. Um deles é o aborto provocado. Diferentemente do abordo espontâneo, um recurso dramático bastante usado nos folhetins.
A discussão sobre o direito de a mulher interromper uma gestação por vontade própria voltou à mídia – e gerou turbulência nas redes sociais – após uma fala do ex-presidente e pré-candidato do PT à Presidência, Lula.
“Na verdade, (o aborto) deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não vergonha”, disse. “A madame pode ir fazer um aborto em Paris, poder ir pra Berlim procurar uma clínica.”
Em 2009, essa questão potencialmente explosiva afetou a novela das 21h da Globo ‘Viver a Vida’. Protagonista, Taís Araújo era a primeira Helena negra do autor Manoel Carlos. Uma modelo rica e elegante em busca de um amor verdadeiro.
Uma confissão da personagem gerou uma onda de rejeição irreversível: ela contou ter feito um aborto na juventude para não ter a carreira nas passarelas atrapalhada por um filho indesejado naquele momento. Boa parte do público ficou chocada e não se comoveu com o arrependimento de Helena.
O racismo também acabou se manifestando. Com a personagem principal sob ataque, ‘Viver a Vida' perdeu audiência. Anos depois, Taís Araújo revelou ter sofrido calada nos bastidores. “Me deixou emocionalmente desestruturada.”
Em 2019, outra personagem decidiu abortar. A empregada doméstica Edilene (Cynthia Senek) havia engravidado do patrão, Otávio (José de Abreu). Sem apoio, ela se submeteu a um procedimento clandestino.
Entrou para a estatística de brasileiras que morrem por provocar o aborto em condições precárias. A trama não repercutiu porque era uma coadjuvante interpretada por uma atriz pouco conhecida dos telespectadores.