Criticada por interpretar negra, atriz teve outra polêmica racial: “não-branca”
Fernanda Montenegro reagiu com humor ao ter sua raça definida por jornal norte-americano: “Sou neguinha”
Uma das controvérsias dos últimos dias surgiu com o anúncio da data de lançamento do filme ‘Vitória’, um original da plataforma de streaming Globoplay. Será em 15 de agosto.
Fernanda Montenegro interpreta uma mulher que era negra. A escalação dela gerou críticas sobre o frequente embranquecimento de personagens verídicos.
O roteiro é baseado no livro ‘Dona Joana da Paz’, do jornalista Fábio Gusmão, que a conheceu pessoalmente e contou sua história no jornal carioca ‘Extra’. Dona Vitória foi o codinome dado a dona Joana para preservar sua segurança.
Moradora de Copacabana, ela comprou uma filmadora e começou a registrar de sua janela, secretamente, a movimentação de traficantes, usuários de drogas e policiais na Ladeira Tabajara. O material serviu de base para uma grande operação contra o tráfico no local.
Na época, a esteticista tinha 80 anos e entrou para o Programa de Proteção a Testemunhas. Precisou se mudar de estado. Morreu anonimamente aos 97 anos, em fevereiro de 2023, em um hospital de Salvador. Somente depois disso seu rosto foi revelado na mídia.
Difícil acreditar que a produção do filme não soubesse se tratar de uma mulher preta, já que houve ampla pesquisa sobre a personagem. O questionamento nas redes sociais tem fundamento: por que não escalaram uma das grandes atrizes negras que temos no país?
Cabe indagar também se Fernanda Montenegro sabia da origem étnica de dona Joana antes de aceitar interpretá-la. Curiosamente, não é a primeira vez que a atriz ganhadora do Emmy Internacional se vê numa polêmica racial.
Em janeiro de 2015, o site ‘Huffington Post’ incluiu a artista brasileira na lista de atores não-brancos indicados ao Oscar. A classificação suscitou assombro no Brasil, onde ninguém jamais teve dúvida sobre a cor de Fernanda. Ela reagiu com bom humor. “Sou neguinha, sim. Com muito gosto”, comentou, segundo o colunista Ancelmo Góis, de ‘O Globo’.
Enquanto aqui vale o fenótipo, ou seja, o conjunto de características relacionadas com a aparência, nos Estados Unidos conta a ancestralidade e o local onde nascimento. A maioria dos norte-americanos – e também europeus – não enxerga nenhum brasileiro como branco, mesmo uma pessoa loira de olhos azuis. Para eles, somos todos miscigenados.
Fernanda Montenegro descende de portugueses. Em setembro de 2020, um artigo do ‘The New York Times’ chamou os portugueses e lusodescendentes de ‘pessoas de cor’, termo aplicado na América do Norte a todos os não-brancos, incluindo negros, latinos e asiáticos. Houve ruidoso debate a respeito desse rótulo.
Tal rigor na definição racial pode chocar os brasileiros que, por terem pele mais clara, instantaneamente se autodefinem como brancos, sem considerar os antepassados. Uma viagem ao exterior é capaz de provocar um choque de identidade.