Demissões de 2 âncoras e 1 comentarista provam tolerância zero das TVs com erros
O politicamente correto e a cultura do cancelamento obrigam canais a não perdoar deslizes e sacrificar profissionais importantes
De repente, uma carreira aparentemente brilhante desmorona. Já vimos isso acontecer algumas vezes com profissionais de TV, porém, sempre que eclode um novo caso ainda somos surpreendidos.
Dois famosos âncoras norte-americanos caíram em desgraça e dificilmente conseguirão se recuperar. A progressista CNN demitiu Don Lemon, uma estrela de sua programação noturna.
Ele foi afastado do estúdio e depois oficialmente desligado do canal após fazer um comentário explicitamente machista a respeito da pré-candidata à Presidência dos EUA pelo Partido Republicano Nikki Haley, de 51 anos.
“Ela não está no auge, desculpe. Uma mulher está no auge entre 20 e 30 anos, talvez 40”, disse. Questionado por colegas de emissora, Lemon argumentou – piorando o que estava ruim – que sua fonte de informação foi o Google.
Causou ainda mais espanto tal disparate ter partido de um homem negro gay, ativista contra o racismo e a homofobia. Ninguém imaginava essa postura de desprezo às mulheres mais velhas.
Além da credibilidade, o apresentador perdeu um salário anual de 4 milhões de dólares, cerca de R$ 1,7 milhão por mês.
Ao ser comunicado da dispensa, ele criticou a CNN, onde trabalhou por 17 anos. Não fez o que era esperado: um pedido de desculpas a Nikki Haley e às mulheres em geral.
Ainda nos Estados Unidos, o canal de direita Fox News deu cartão vermelho a seu principal âncora, Tucker Carlson, após 14 anos no ar. Ele tinha relevante influência no Partido Republicano e entre grupos conservadores.
A demissão ocorre após a emissora ser obrigada a fazer um acordo de R$ 3,9 bilhões em um processo movido pela empresa de urnas eletrônicas Dominion.
Houve acusação de que o jornalismo da Fox transmitiu informações erradas e produziu difamação. Comentários de Carlson em seu talk show são citados nos documentos enviados à Justiça.
Pesou também contra o âncora, que recebia o equivalente a R$ 6 milhões de salário mensal, a ação de uma ex-produtora do programa.
Ela denuncia ambiente tóxico nos bastidores, supostamente sob a anuência do apresentador, e pede indenização por danos morais.
No Brasil, a Jovem Pan News demitiu o comentarista Jorge Serrão, do programa de debates ‘3 em 1’, depois de ele sugerir ligação de um movimento social simpático a Lula com os ataques em Brasília.
“Pergunta para a CPMI fazer: O que esse ‘patriota’ estaria fazendo com a bandeira do MST na mão, dentro do Palácio do Planalto, durante a invasão com depredação do 8 de janeiro???”, postou no Twitter.
Serrão confundiu a bandeira do Rio Grande do Sul com o símbolo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Alertado por seguidores, ele se corrigiu, mas o equívoco gerou mal-estar na Jovem Pan News, que tenta se desvencilhar do rótulo de bolsonarista radical.
Os três episódios de jornalistas defenestrados evidenciam a tolerância zero das emissoras contra erros considerados graves. Há forte pressão popular, especialmente nas redes sociais, para comportamentos politicamente incorretos.
Com medo do cancelamento e de processos, os canais preferem abrir mão de nomes importantes do elenco a virar vidraça de ataques diários no caso de mantê-los diante das câmeras.
Há, sem dúvida, excessos condenáveis de alguns que usam o escudo do direito de liberdade de expressão para caluniar e humilhar na TV, mas é necessário tomar cuidado para que o medo de demissão não suscite autocensura e produza um jornalismo frouxo.