Fim do ‘BBB’ pode gerar sensação de luto e há risco na idolatria aos participantes
Psicanalista Alexandre Patrício de Almeida explica a dinâmica que faz o telespectador amar uns competidores e odiar outros
O ‘BBB24’ acabou. E agora? O que será de milhões de brasileiros que ocupavam horas e horas de sua vida com o reality show? Para muitos, a sensação é de ressaca após 99 dias embriagados com os altos e baixos da atração da Globo.
Doutor e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, o psicanalista Alexandre Patrício de Almeida esclarece os possíveis efeitos mentais que o fim do programa pode causar no telespectador fiel.
“Esse término deixa um buraco, um vazio, uma falta, porque a gente está acostumado a se preencher naquele horário com aquelas histórias, acompanhando os conflitos, as dores, as dificuldades de todos eles, então, pode surgir um sentimento de luto”, explica.
“É claro que o luto tem, por vezes, uma configuração patológica no sentido de paralisar o sujeito que só fica pensando naquilo que perdeu. Então, se a gente não consegue seguir adiante, aí surge um prejuízo à nossa saúde mental. Não acho que seja o caso da maioria da população. A gente demora a se acostumar com o fim do reality, mas tende a procurar outras coisas para colocar no lugar desse vazio.”
Criador e apresentador do podcast ‘Psicanálise de Boteco’ e professor de cursos on-line da plataforma Casa do Saber, Alexandre comenta a dinâmica do ‘amo e odeio’ em relação aos competidores. O telespectador geralmente escolhe alguns para venerar e promove o massacre de outros.
“Quando a gente idolatra alguém, funciona no mecanismo de idealização descrito por Sigmund Freud e desenvolvido por outros psicanalistas, como Melanie Klein. A gente precisa idealizar muito um objeto para poder admirá-lo, mas necessita também de outro para odiar”, afirma.
“O telespectador busca alguém para admirar, exaltar, elogiar, mas sente a necessidade de alguém para desqualificar, pois assim mantém aquele objeto escolhido na posição de ideal.”
No ‘BBB24’, Davi foi eleito campeão antecipado por numerosa parcela do público. Todos os participantes que se opuseram a ele passaram a ser vistos como vilões. Um a um, foram eliminados, abrindo caminho para a vitória do motorista de aplicativo.
“Existe um grande problema nesse funcionamento da idealização. À medida que eu idealizo o outro, eu acabo me perdendo de mim mesmo. Por exemplo, em um relacionamento, se a gente acredita que está com uma pessoa perfeita, investe tanto afeto e libido no outro que sobra pouco para a gente. Há perda de amor-próprio e autoestima.”
Alexandre Patrício argumenta que a maioria das pessoas fica presa nessa visão maniqueísta e não consegue lidar com a ambivalência. Mostra-se incapaz de enxergar e admitir que uma pessoa pode ter características boas e más.
Podemos novamente usar Davi como exemplo. Ele teve falas e atitudes problemáticas ao longo do reality show, inclusive com teor machista e homofóbico, porém, a maioria dos telespectadores minimizou suas falhas para ressaltar apenas o lado positivo do rapaz. Essa idolatria o transformou no novo milionário do país.