Franceses vão à luta enquanto brasileiros assistem ao ‘BBB’ e criticam novela
Excesso de consumo de TV e tempo demais nas redes sociais afastam as pessoas da vida real
Famosos pela elegância e cultura, os franceses arregaçam as mangas, tomam as ruas, enfrentam a polícia e ateiam fogo em montes de lixo para defender o direito de se aposentar mais cedo.
Honram os antepassados que, em 1789, derrubaram a monarquia indiferente às reivindicações do povo e consolidaram a consciência das liberdades individuais e das obrigações do Estado.
No Brasil, a última grande mobilização popular do gênero ocorreu em 2013, a partir da consternação coletiva pelo aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo.
Não faltaram pautas sociais para levar o brasileiro a se manifestar ativamente desde então. A maioria preferiu falar mal dos governos nas redes sociais. Uma atitude relevante, porém, preguiçosa. Mudanças efetivas exigem ações concretas.
Aqui, parte da população está mais interessada na monotonia do ‘Big Brother Brasil 23’ e em achincalhar ‘Travessia’ do que participar de discussões que podem impactar a qualidade de vida, como alterações no Imposto de Renda de Pessoa Física, queda de juros, mudança no Ensino Médio e reforma tributária.
Assuntos chatos, não é? Mais interessante se alienar com o folhetim e o reality show, cuidar da vida alheia no Instagram, rir à toa das dancinhas toscas no TikTok, maratonar alguma série na Netflix ou simplesmente ignorar a realidade ao redor.
Sair do conforto do sofá para ocupar as ruas exige consciência de classe e esforço físico. Melhor postar alguma mensagem raivosa no Facebook e fingir que assim cumpre o papel de cidadão.
Mas cuidado para não se deprimir caso receba poucos ‘likes’. Os amigos virtuais preferem fotos de viagem, selfies com filtros exagerados, looks do dia, frases motivacionais...
Em 2022, a pesquisa ‘Inside Video’ da Kantar Ibope revelou que o brasileiro passa em média 5 horas e 37 minutos por dia diante da TV, ou seja, cerca de 1/3 do tempo que passa acordado.
Estimativas indicam que ficamos aproximadamente 3 horas e 30 minutos navegando em redes sociais da manhã ao fim da noite.
Existencialistas, os franceses vivem fora da bolha da internet e não dão importância à televisão. Preferem o cinema às novelas, os livros às comunidades digitais, são menos sugestionados pela imprensa. Gritam para conquistar o que querem. Não usam mais guilhotinas, contudo, a fúria popular se assemelha ao fervor dos insatisfeitos do século XVIII.
Enquanto isso, na sonhada democracia dos trópicos, parcela numerosa de pessoas toma conhecimento do que acontece nas esferas de Poder somente por matérias apressadas dos telejornais ou no WhatsApp, ambiente perfeito para ser cooptada pela indústria das fake news. A revolução fica para outro dia.
“Vou-lhe dizer um grande segredo, meu caro. Não espere o juízo final. Ele realiza-se todos os dias”, escreveu o romancista e filósofo franco-argelino Albert Camus, autor do clássico ‘A Peste’, que se encaixa como metáfora desse tempo marcado pela pandemia de covid-19 e a Guerra na Ucrânia.
Maria Antonieta e Luís XVI adorariam ter reinado para um povo tão apático e distraído como o brasileiro. Não teriam perdido a cabeça.