Globo demite a maioria dos diretores de novelas de sucesso e fortalece o streaming
Nova política de contratos visando redução de despesas coloca no mercado talentos que se voltam contra a emissora
Dois fatos recentes evidenciam o enfraquecimento da Globo no mercado de ficção. O primeiro é o sucesso aqui e no exterior da série ‘Pedaço de Mim’, da Netflix, protagonizada por atores com imagem associada à emissora, Juliana Paes e Vladimir Brichta, e dirigida por Maurício Farias, que trabalhou no canal por 40 anos.
A produção com apenas 17 episódios, assistida por número de assinantes várias vezes menor que o público da TV aberta, ofuscou as novelas atuais da emissora, especialmente ‘Renascer’. A trama dramática sobre gêmeos de pais diferentes virou assunto recorrente no TikTok, o aplicativo de vídeos que se tornou melhor termômetro do que é sucesso no audiovisual e onde está a audiência jovem que a TV falha em atrair.
A segunda ocorrência envolve a dispensa do também diretor Jayme Monjardim. Ele comandou obras históricas, como ‘Roque Santeiro’, ‘Terra Nostra’, ‘O Clone’ e ‘Páginas da Vida’. Deixa o canal sem conseguir a aprovação para um projeto pessoal, a novela ‘Romaria’, sobre devotos católicos. O veto da cúpula seria por temer a reação de evangélicos?
Em anos recentes, a Globo dispensou a maioria dos diretores veteranos. Entre eles, Mauro Mendonça Filho (‘O Outro Lado do Paraíso’, ‘Verdades Secretas’, ‘Amor à Vida’, ‘Força de um Desejo’) e Dennis Carvalho (‘Paraíso Tropical’, ‘Celebridade’, ‘O Dono do Mundo’, ‘Vale Tudo’).
Outra ex-Globo, Maria de Médicis, assina a direção de ‘Beleza Fatal’, novela do Max. Do mesmo serviço pago de conteúdos on-line, ‘Dona Beja’ conta com o diretor Thiago Teitelroit, que também trabalhou no canal carioca. Estas duas produções, ainda sem data de estreia, têm dezenas de atores que fizeram carreira e fama na TV da família Marinho.
O esvaziamento do elenco fixo e de diretores mais experientes faz parte da reestruturação financeira do Grupo Globo. Deixar de pagar salários a quem não está no ar se justifica pela sobrevivência do negócio e a retomada do lucro.
Há efeito colateral: o empobrecimento das escalações de novelas e a entrega de bandeja ao mercado – principalmente às plataformas de streaming – profissionais capazes de reproduzir o ‘padrão Globo de qualidade’ com mais ousadia em texto, atuação e direção.
A sorte da emissora é que os concorrentes mais próximos, Record e SBT, produzem teledramaturgia para nichos – evangélicos e infantojuvenis, respectivamente – e não conseguem pontuação suficiente no Ibope para ameaçar suas novelas, ainda que estas registrem índices cada vez menores.
A renovação em qualquer canal de televisão é necessária e desejável a fim de melhorar a produção artística. No caso da Globo, porém, não se nota benefícios. Na mesma proporção das demissões está a frustração por novelas inéditas e remakes que entregam menos do que prometeram.