Globo paga o preço por erros inaceitáveis em duas novelas que frustram o público
Novo chefe da emissora tem a missão de produzir tramas mais interessantes para elevar os índices no Ibope
Os noveleiros gostam de um mistério. Mas precisa ser convincente. Em ‘Fuzuê’ e ‘Terra e Paixão’ houve falha grave ao tentar capturar o telespectador com enigmas centrais.
Na novela das 19h40, a trama gira em torno da corrida atrás de um tesouro. Incompreensivelmente, os autores não apresentaram detalhes. Que tesouro é esse? Onde está? Por que foi escondido? O público fica ‘boiando’. Não dá para ser cúmplice de um enredo tão hermético. Pior: deveria ser uma comédia. Rir do quê?
Como ter vontade de acompanhar uma novela se você nem sabe direito o que move os personagens principais? Tudo parece superficial, confuso, incoerente. Atuações inspiradas – como a da ótima Marina Ruy Barbosa na pele da vilã Preciosa – são prejudicadas pelo roteiro capenga.
A mocinha da história, Luna (Giovanna Cordeiro), não tem foco. Busca o tesouro, vive um triângulo amoroso, rivaliza com Preciosa, luta contra um bandido... Parece perdida e exausta com tantas funções. Difícil torcer por uma heroína tão fragmentada. Não cria uma conexão forte com o público.
O folhetim rural das 21h20 sofre de problema semelhante. O epicentro do conflito está na obsessão de Antônio La Selva (Tony Ramos) e Irene (Gloria Pires) em se apossar das terras de Aline (Bárbara Reis). Por que tanto interesse? Que segredo é esse?
Mais de 100 capítulos depois, os noveleiros receberam a resposta: existem abundantes fontes de água e diamantes na propriedade da viúva. É isso. Revelação decepcionante. Criou-se tanta expectativa por muito pouco. Faltou criatividade – e estímulo à emoção – para surpreender o público.
Nem mesmo a (quase) infalível fórmula “quem matou?” funciona em ‘Terra e Paixão’. O mistério sobre o responsável pelo acidente fatal de Daniel (Johnny Massaro) não empolgou nem repercutiu nas redes sociais – importante termômetro da teledramaturgia.
A falta de carisma do personagem contribuiu para a indiferença. Ele morreu e ninguém sentiu falta. Consequentemente, a identidade do causador da tragédia não provoca curiosidade.
No ar às 18h25, ‘Elas por Elas’ se apoia em um mistério também: quem matou Bruno (Luan Argollo), irmão de Natália (Mariana Santos)? A suspeita paira sobre as amigas da personagem. Por enquanto, a trama não decolou no Ibope e a internet acompanha com frieza.
Como se trata de um remake, existe a possibilidade de o desfecho ser diferente da versão original, quando a própria Natália se lembrou com ajuda da terapia ter matado acidentalmente o irmão. Será que os noveleiros se cansaram dessas charadas dramatúrgicas?
Novo diretor dos Estúdios Globo, Amauri Soares tem a missão de realizar tramas capazes de recuperar o entusiamo dos telespectadores e elevar a audiência. A pressão é forte: a Globo terá a concorrência da HBO Max, que lançará duas novelas com ex-atores do canal carioca em 2024.
Saudade dos enigmas bem construídos, como o ‘quem matou Salomão Hayalla?’ (‘O Astro’), quais personagens serão mortos (‘A Próxima Vítima’), o que Perpétua guarda na caixa branca (‘Tieta’), ‘quem matou Odete Roitman?’ (‘Vale Tudo’) e quem é a verdadeira vilã (‘A Favorita’).
Que tal a Globo apelar para Agatha Christie?