História de amor e insistência do autor estão por trás da criação de 'Duna'
“Duna” foi rejeitado por quase 20 editoras diferentes, inclusive todas as especializadas em ficção científica
Foi fazendo uma reportagem que Frank Herbert se inspirou para escrever “Duna”. A matéria era sobre… Dunas, claro! As Oregon Dunes, no noroeste americano.
Mas não foi só bater os olhos em uma montanha de areia o suficiente para Herbert criar um universo tão complexo, e o romance de ficção-científica mais vendido de todos os tempos.
Frank era um curioso profissional: jornalista. Foi assim que ele ganhou a vida desde os 19 anos, e vida dura, porque cresceu na grande depressão americana.
Foi tirando fotos e fazendo reportagem que pagou as contas, atravessou a Segunda Guerra, estudou, casou, criou seus filhos.
Sua voracidade intelectual abarcava filosofia, psicologia, religião, história, educação, e experimentos com drogas psicodélicas – muito do que depois faria parte da composição de “Duna”.
Fazer perguntas profissionalmente – e se fazer perguntas – foi a base para sua carreira literária.
E com tudo isso, foram três outros fatores que levaram Frank ao sucesso. Talvez quatro…
O primeiro devemos totalmente à sua mulher. Beverly também era jornalista, e ganhava bem. Frank já tinha escrito contos, mas sem grande sucesso. A partir de 1959, deixou o emprego como jornalista pra se dedicar a pesquisar e escrever “Duna”. Ele fazia uns frilinhas, mas ela é que segurava a barra da casa.
O segundo foi a insistência de Frank. “Duna” foi rejeitado por quase 20 editoras diferentes, inclusive todas as especializadas em ficção científica. Herbert não desistiu.
O terceiro foi a visão de um editor corajoso. Sterling E. Lanier trabalhava na Chilton, uma editora especializada em manuais para manutenção de equipamentos.
Encantado com “Duna”, assumiu o baita risco de bancar a publicação deste tijolaço, por um autor que jamais tivera um sucesso comercial. Ainda prometeu edição capa dura e adiantou uma grana sobre os royalties.
E assim chegou o sucesso!
Hmm, não. “Duna” ganhou os principais prêmios da ficção científica, o Hugo e o Nebula, quando o livro foi lançado em 1965. Mas vender, vendeu pouco. Frank voltou a trabalhar como jornalista, foi dar aula, dirigir programa de televisão, foi ser consultor de meio-ambiente (inclusive no Vietnã!).
Mas seguiu escrevendo e publicando as sequências de Duna. Só depois dos cinquenta e tantos anos pôde, enfim, se dedicar integralmente à literatura.
Muita gente que leu sua obra foi influenciada por ela. Ninguém mais que George Lucas, que deve muitos dos principais elementos de “Star Wars” ao universo criado por Frank Herbert – “estou fazendo tudo que posso para não entrar com um processo”, disse na época o escritor.
Eu também fui influenciado por “Duna”. Li com 19 anos, em 1984, era um pouco mais velho que Paul Atreides. “Duna” me ensinou a exigir muito da ficção científica.
Também me influenciou a história de Frank Herbert, e todo seu esforço para publicar “Duna”. É uma história de amor e apoio, de sua esposa; da curiosidade, visão e persistência de Frank; da coragem empreendedora de seu editor.
Porque “Duna” só fez sucesso anos depois, e faz até hoje? Aí entra o quarto fator. Lançado em 65, o livro prefigura a contracultura que se aproximava, e muitos dos temas explosivos dos anos 60 estão conosco até hoje.
Que loucura, que ambição de Frank criar uma mitologia tão rica e detalhada, e tocando em tantos pontos do que compõe uma sociedade. A fé e a política, a economia e a guerra, o papel da mulher, as drogas, a disputa pelos recursos naturais, a dramática crise climática - até a luta de classes.
O diretor Dennis Villeneuve dividiu o primeiro livro da série em dois filmes muito fiéis a Frank Herbert. O final de “Duna” não alivia e não apazigua. Ele ainda promete para algum dia dirigir um terceiro filme, adaptando o segundo livro, "O Messias de Duna". Li décadas atrás e é de entortar a cabeça.
Façamos figa. Já vi todos os filmes de Dennis, e recomendo todos. Enquanto isso, está no cinema ver a segunda parte de "Duna" – e se puderes, não deixe pra ver futuramente na tela pequena, e pelo contrário: procure a maior tela que encontrar.
(*) André Forastieri é jornalista e empreendedor, fundador de Homework e da agência de conteúdo e conexão Compasso, e mentor de profissionais e executivos. Saiba mais em andreforastieri.com.br.