Instrumentista faz sucesso no YouTube e dá aula a famosos
Heitor Castro driblou a crise no mercado fonográfico ao usar a internet como plataforma para divulgar seu trabalho e ensinar música
Viver de música é o sonho de muita gente. Mas não basta ter talento para conquistar espaço próprio a fim de fazer da arte sonora o ganha-pão.
A internet obrigou a indústria fonográfica a passar por uma drástica transformação. Sobreviveu quem soube se adaptar. É o caso do músico Heitor Castro.
Ele criou um canal no YouTube. Até o momento, são 750 vídeos com aulas de instrumentos de corda. Está com quase 900 mil inscritos.
A gravação mais popular – uma aula nível zero de violão – chegará em breve aos 10 milhões de visualizações. No total, seus vídeos geraram 64 milhões de views.
Empreendedor, o multi-instrumentista formado no Guitar Institute of Technology de Los Angeles realizou a façanha de vender 160 mil DVDs de aulas em uma época de absoluta retração desse tipo de mídia.
Castro já ensinou para gente famosa como os atores Daniel de Oliveira, Marjorie Estiano, Francisco Cuoco, Claudio Heirinch e Caroline Abras.
Em conversa com o blog, ele contou detalhes de sua trajetória e analisou a presença da música na TV.
Como era o seu trabalho antes das mudanças na indústria fonográfica provocadas pela internet?
Antigamente, eu tinha que fazer uma aula muito boa, matando um leão por dia, mas que só alcançava um aluno ou um pequeno grupo. Com a internet, consigo planejar um conteúdo para aulas de música, violão e guitarra da melhor forma possível, podendo gravar quantas vezes precisar até atingir a qualidade que almejo. Assim, alcanço um público enorme, que não para de crescer.
Avalia que a internet revolucionou positivamente o mercado de música?
Com certeza, pois democratizou o mercado e tirou o poder absoluto da mão das gravadoras. Graças à internet, tornou-se possível lançar uma música ou qualquer outro trabalho autoral de forma independente. Dessa forma, a internet se tornou uma vitrine para novos artistas. Mesmo com poucos recursos, qualquer um coloca seu material artístico na praça.
Músicas boas e ruins estão misturadas nas infinitas opções da internet. Isso prejudica os músicos com mais qualidade e confunde o público?
Não acho que confunda nem prejudique, pois as opções estão muito claras, apesar de ser um emaranhado de informações. Mas é importante ressaltar que essa situação não está apenas na área musical, é um fenômeno da internet como um todo. E, neste cenário, as pessoas optam por focar em um estilo musical, e assim os bons músicos e o público procuram pelo que gostam. Não sou a favor da teoria, quase de conspiração, de que o mercado quer empurrar música ruim para o público a fim de aliená-lo. Acho apenas que é uma consequência da cultura e da educação disponíveis atualmente. Se há muito espaço para ‘músicas ruins’ significa que há um público consumidor.
Você já foi premiado por ensinar música a distância. Qual o segredo de seu método?
Fiquei feliz quando recebi o Prêmio JK da Academia Brasileira de Honrarias ao Mérito, e a cerimônia foi muito bonita. Meu primeiro segredo é a dedicação, pois me esforço demais para dar o meu melhor nos meus vídeos, sempre com bom conteúdo e sorrisos. A estratégia que utilizo é, como eu chamo, a gradualidade perfeita aliada à alegria, pois objetivos que são graduais tornam-se pequenas escadas a serem escaladas. Assim, é possível atingir a excelência na música e nos instrumentos. E a alegria é gerada pelo fato destes objetivos serem realmente alcançados. Viso muito o estímulo e a alegria do estudante.
Por que seu método de ensino deu tão certo?
O que mais diferencia o que faço nas unidades da minha escola Mais que Música e no meu canal no YouTube é a honestidade. O que eu prometo em cada aula de ensino a distância é que, no final do curso, que equivale a um mês de aula presencial, você estará tocando o mesmo se estivesse em minha escola de música presencial, ou seja, eu só prometo o que sei que o aluno irá conseguir. Há um prejuízo pela falta de contato presencial entre professor e aluno, pois a aula presencial seria muito melhor. Mas consigo antecipar as dúvidas mais comuns. Uso a experiência de meus 20 anos dando aulas presenciais e a distância.
A televisão, e especialmente a teledramaturgia, sempre promoveu muito a música a um numeroso público. Como avalia o uso da música na TV?
As artes cada vez mais se misturam com as sensações de forma sinestésica. Há 50 anos, a música era muito mais ‘só música’ do que hoje em dia. Atualmente, você quer ver o clipe, o rosto da pessoa, a coreografia. Não dá para comparar com artistas como o norte-americano Christopher Cross, que tinha muito sucesso antes da MTV aparecer e, pelo fato de não possuir certo padrão de beleza, viu sua fama diminuir. Diferentemente da Madonna, que foi altamente impulsionada por essa simbiose com a televisão. Tem um monte de questões que se juntam e a televisão sempre usou muito bem isso, tanto que é impossível imaginar uma cena de amor sem uma música ao fundo, por exemplo.
Assiste a esses ‘talent shows’ como The Voice Brasil? Esse tipo de programa faz bem à música?
Sim, é favorável por causa da divulgação e exposição de novos cantores e músicos. O que me irrita um pouco é o fato de, nas fases iniciais, as vozes serem alteradas, pois passam por um auto-tune (recurso que corrige imperfeições). Por isso, às vezes, a qualidade diminui bastante ao vivo. No último The Voice teve uma cantora que gostei muito, a Priscila Tossan, pois possuía uma voz bem original, o que valorizo muito. Foi uma pena ela não ter chegado na final, pois quem ganha, por conta dos votos populares, geralmente é quem vem de um estilo mais popular.
Como foram suas experiências com alunos famosos, como Daniel de Oliveira, Marjorie Estiano, Francisco Cuoco e Claudio Heirinch?
Também dei aulas para o músico Marcelo Bonfá, o que foi uma grande honra, pois sou fã da Legião Urbana desde o colégio. Foi um trabalho bem bacana com cada um deles, pois foram focados em objetivos específicos, seja para trabalho em algum projeto audiovisual ou, como no caso do Bonfá, pelo fato de ele querer se aprimorar no violão e guitarra para iniciar trabalho solo. A Marjorie Estiano já tinha uma formação intuitiva e assim procurou uma aula de harmonia funcional. O Daniel de Oliveira fez aula de harmonia funcional, violão e piano; sendo que, na parte de piano, ele estava se preparando para um longa. É muito legal dar aula para estas pessoas que aparecem sempre na televisão. Elas cativam e incentivam muito os outros alunos da minha escola de música.
A música brasileira sempre foi respeitada e admirada mundo afora. Acha que esse prestígio se mantém?
Infelizmente, não. Nosso respeito foi conquistado mundo afora principalmente a partir da Bossa Nova. Na época que estudei nos Estados Unidos, na década de 1990, esse prestígio já estava decaindo, apesar de meus professores de música do GIT (Guitar Institute of Technology) passarem canções de artistas brasileiros, como Ivan Lins e Djavan, para os estudos. Hoje em dia, isso não acontece tanto, principalmente por não termos nenhum brasileiro expoente de fama internacional, fora que a qualidade musical caiu abruptamente. A última coisa que surgiu no Brasil de muita qualidade foi o Carlinhos Brown, que possui uma pegada popular forte. Mas já faz duas décadas.
Como foi gravar no icônico estúdio de Abbey Road, sempre lembrado por causa dos Beatles?
Fantástico! Uma parte do meu disco de jazz, Spiritual Jazz, foi gravada aqui no Brasil junto com Zé Renato, Léo Gandelman e Nico Assumpção. A parte de cordas foi gravada em Abbey Road, pois queria muito conhecer o estúdio e foi uma época que a diferença de valores não era tão grande, fora a questão da preparação erudita europeia ser inigualável em todo o mundo. Lá eu apresentava uma música e 23 músicos a tocavam de primeira, sem nenhum erro. Tanto que gravei oito músicas em apenas um dia com aquele grupo. Foi uma experiência inesquecível e ainda tive a oportunidade de gravar na mesma sala em que os Beatles gravaram o icônico álbum Sgt. Pepper’s, e o Pink Floyd fez o The Dark Side of the Moon.
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