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Laura Cardoso reflete sobre 'Mulheres de Areia' e 80 anos de carreira: 'Novela é uma grande ilusão'

Atriz de 95 anos volta ao ar na reprise de 'Mulheres de Areia' nesta segunda-feira. Ela comenta produções estrangeiras, em especial as mexicanas: 'O que é aquilo? É muito ruim...'

26 jun 2023 - 09h36
(atualizado às 13h56)
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O propósito da entrevista do Estadão com a atriz Laura Cardoso era falar sobre sua personagem na telenovela Mulheres de Areia, de 1993, que volta ao ar nesta segunda-feira, 26, em edição especial na TV Globo.

No entanto, Dona Laura, como costuma ser chamada por seus colegas de profissão, é muitas personagens. Aliás, é a própria história da telenovela brasileira. Aos 95 anos de idade, com inacreditáveis oito décadas de carreira, a atriz tem no currículo mais de 60 folhetins - só na TV.

Ao lado de outros pioneiros, entre eles, Lima Duarte, Yara Lins, Lolita Rodrigues, Márcia Real, Fernando Baleroni (com quem Laura foi casada) e Vida Alves, todos oriundos do rádio e do teatro, ajudou a dar forma para o que se tornou um dos principais produtos culturais de massa do País - e artigo de exportação.

Por isso, o papo com Laura passou pelo rádio - veículo ao qual ela se referiu em vários momentos da entrevista - e por sua paixão pela profissão que escolheu ainda adolescente, aos 15 anos.

"Gosto de estar com a minha gente", diz, com os olhos brilhantes de uma iniciante, ao se referir aos colegas atores, técnicos, diretores e autores ao lado dos quais ela passou a maior parte de sua vida, em estúdios de rádio e de TV, nos palcos de teatros e nos sets de cinema.

Longe da televisão desde sua participação na novela A Dona do Pedaço (2019), Laura se divide entre o apartamento em que mora no bairro das Perdizes, pertinho do antigo prédio da TV Tupi, emissora ao qual ela guarda imenso carinho, e um sítio em Itu, no interior de São Paulo.

Está pronta para uma possível próxima personagem - e continua contratada da Globo. Enquanto isso, lê, um de seus passatempos preferidos. "Ator tem que se saber ler! E tem muitos que não sabem!", diz.

A mãe de Ruth e Raquel

Laura se espanta ao saber que o remake de Mulheres de Areia, do qual ela participou, foi ao ar pela primeira vez há 30 anos. "Tudo isso?", pergunta. Escrita por Ivani Ribeiro, a novela foi produzida originalmente pela TV Tupi em 1973, com Eva Wilma no papel das gêmeas Ruth e Raquel.

Na TV Globo, as gêmeas, uma boa e outra má, foram vividas por Glória Pires. Laura era Isaura, mulher do pescador Floriano (Sebastião Vasconcelos), mãe de Ruth e Raquel. Tinha preferência pela segunda, a de caráter duvidoso.

Laura relembra a parceria com os colegas de elenco. Sobre Vasconcelos, diz, categoricamente: "um grande ator! Um cara seríssimo, assim como eu sou, assim como eu gosto de trabalhar. Não venha com brincadeira no trabalho...Nos dávamos muito bem nos bastidores, por isso nossas cenas saíam bem, completas", diz.

Para Glória Pires, Laura também é só elogios. "Minha filha! Amo vê-la atuando. Outra atriz séria!".

Laura conheceu Ivani Ribeiro nos tempos da Tupi. Da autora, também participou do remake de A Viagem, no papel de Guiomar, a sogra de Raul (Miguel Falabella), atormentada pelo espírito de Alexandre (Guilherme Fontes), um de seus papéis marcantes.

A atriz diz que nunca procurou os autores que lhe deram personagens - e foram muitos, como Gilberto Braga, Manoel Carlos, Gloria Perez e Geraldo Vietri - para pedir algo ou reclamar de cenas destinadas a ela. Dentre todos que trabalhou, tem mais apreço por um: Walther Negrão. "Ele sempre me deu bons papéis".

De Negrão, fez, entre outras, Sol Nascente (2016), com a personagem Dona Sinhá, uma trambiqueira que se disfarçava de vovozinha para aplicar golpes. Fez também Pão, Pão, Beijo, Beijo (1983), recém reexibida pelo canal Viva. Nela, vivia a Donana, uma matriarca nordestina, com um sotaque perfeito, longe de qualquer estereótipo

De olho nas novas gerações

Laura diz que gosta de assistir às reprises das novelas em que participou. Segundo ela, para ver onde acertou e em qual cena poderia ter ido melhor. Também fica de olho nas novas gerações.

"Às vezes, tenho medo. Será que elas vêm para melhorar, para estragar ou para fazer algo diferente? Representar não é decorar e dizer o texto. É preciso estudar. Fazer um estudo sobre uma pessoa. Um personagem é uma pessoa! Por isso, é importante ler. E tem ator que não sabe ler!", diz, entre risos.

Para novelas estrangeiras, a atriz torce um pouco o nariz, sobretudo para as mexicanas, em alta atualmente. "O que é aquilo? É muito ruim...", diz, com ar de reprovação.

Ela gosta mesmo é do produto nacional, o qual ajudou a criar. Sabe que o gênero ainda vai continuar em alta entre o público, mesmo em meio a tantos novos produtos audiovisuais.

"A novela é uma encantadora de gente. Uma grande ilusão. Por isso, não acaba", diz.

A vontade de representar

Laura: paixão por representar a levou para o teatro e para o rádio
Laura: paixão por representar a levou para o teatro e para o rádio
Foto: Daniel Teixeira/Estadão / Estadão

Laura confessa não ter sido uma ou outra atriz específica sua inspiração para escolher a profissão. O que ela queria, a partir do que ouvia no rádio, assistia nos palcos de teatro e nas telas de cinema, era representar. "Sou vaidosa, embora não pareça", diz.

Aprendeu tudo na prática, pela observação. Depois, por ser uma das pioneiras, da turma que fez a transição das novelas de rádio para a televisão, se tornou referência. "Sim, fizemos essa escola sobre como fazer televisão. Aprendemos com nós mesmos. A gente errou muito, mas acertou muito também".

Filha de pais portugueses, Laura não enfrentou resistência por parte do pai, um comerciante apaixonado por teatro e pelas artes, quando anunciou que gostaria de ser atriz. Já a mãe, não gostou da ideia. As atrizes, naquela época, anos 1940, não tinham boa fama.

"Quem fazia teatro era puta. Então, eu era puta. Sou putíssima até hoje, porque eu defendo a profissão", diz, entre gargalhadas.

Todas as personagens guardadas

Para o suposto glamour da profissão, ela nunca ligou. Diz que ele não existe. Jamais se rendeu a tratamentos estéticos mais invasivos, embora alguns médicos a tenham oferecido cirurgias plásticas. "Essa é a minha cara, feia ou bonita, é minha. Tô nem aí", diz.

Na TV Globo desde o início dos anos 1980 - na emissora, ela estreou na novela Brilhante, de Gilberto Braga -, Laura, que completará 96 anos em setembro, não pensa em parar. Se aparecer uma nova personagem, está pronta. "Gosto de estar com a minha gente. Em um estúdio, nada me cansa. Quero morrer trabalhando", diz.

Laura afirma guardar cada personagem que fez dentro de si. "A história fica em você. Eu fiz muitas mulheres, todas elas. Tenho um pedacinho de cada uma dentro de mim", diz.

Dona de suas vontades

Laura: até hoje, é ela quem decide os rumos de sua carreira
Laura: até hoje, é ela quem decide os rumos de sua carreira
Foto: Daniel Teixeira/Estadão / Estadão

Lúcida e bem disposta, Laura é quem, até hoje, segundo sua filha, Fátima, comanda sua carreira. "Durante toda a vida foi assim. Ela que dizia não ou sim para as personagens, ela que fechava os contratos", diz Fátima, que, em 1974, fez uma participação na novela Ídolo de Pano, da TV Tupi, interpretando a personagem da mãe quando mais jovem. Depois, decidiu não seguir na carreira artística.

Foi Laura quem disse que queria fazer a entrevista com o Estadão pessoalmente, e não por telefone ou chamada de vídeo. Aprovou também a ida do repórter fotógrafo Daniel Teixeira. Para ele, posou como desejou. Fátima, apesar de acompanhar tudo atentamente, não censurou ou sugeriu nenhuma fala ou pose de Laura. "Ela ama viver", diz a filha de Dona Laura.

Estadão
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