Léa, Ruth, Chica: quem foram as três grandes damas negras das novelas
Atrizes enfrentaram o preconceito para se destacar na teledramaturgia que colocava pretos apenas como escravos, empregados e bandidos
A morte de Léa Garcia, aos 90 anos, eterniza o trio de grandes damas negras da TV brasileira. Com ela estavam Chica Xavier, falecida aos 88 anos em 2020, e Ruth de Souza, que partiu com 98 anos em 2019.
Foram precursoras da televisão em um tempo de extremas limitações a atores pretos, relegados a papéis menores e muitas vezes em circunstâncias pejorativas e racistas.
Um dos casos foi na novela ‘A Cabana do Pai Tomás’, exibida na Globo entre 1969 e 1970. Ruth de Souza teve de aceitar contracenar com um ator branco, o galã da época Sérgio Cardoso, caracterizado como negro (maquiagem no rosto, peruca com palha de aço, rodelas de cortiça nas narinas), em vergonhoso ‘black face’.
Essas atrizes negras foram submetidas a vários papéis de empregadas domésticas e escravas. Aceitavam ou ficavam sem trabalho na TV. Mesmo coadjuvantes, mostraram talento e carisma. Aos poucos, despertaram a atenção de autores e diretores. Passaram a ser escaladas para personagens importantes nas tramas.
Com mais de 50 atuações em novelas e séries, Chica Xavier foi sempre lembrada como a Bá de ‘Sinhá Moça’, a Júlia de ‘Fera Radical’, a Inácia de ‘Renascer’, a Zilá de ‘Pátria Minha’ e a Mãe Setembrina de ‘Duas Caras’. Por meio dessas mulheres da ficção, ela falou sobre discriminação racial e a força feminina.
A lista de personagens de Ruth de Souza na TV inclui a Adelaide de ‘Sinal de Alerta’, a Balbina de ‘Sinhá Moça’, a Dona Mocinha de ‘O Clone’ e a Mãe Maria da segunda versão de ‘Sinhá Moça’.
Na galeria de tipos de Léa Garcia estão a Dalva de ‘Assim na Terra como no Céu’, a Rosa de ‘Escrava Isaura’, a Sebastiana de ‘Agosto’ e a Tia Lola de ‘O Clone’.
As três abriram caminho para que Taís Araújo, Camila Pitanga e Sheron Menezes se tornassem protagonistas de novela. Inspiraram meninas de pele escura a buscar o sonho de viver da arte dramática. Provaram ser possível, apesar do racismo sistêmico no país com maior população preta fora da África.
Em vida, as três receberam algumas homenagens, mas não tiveram o devido reconhecimento financeiro por sua contribuição valiosa à televisão. A fama foi menor do que mereciam. Devemos cultuar e honrar seus legados pessoal e profissional.