Livro conta suposta briga de Raul Seixas com Silvio Santos
Autor Tiago Bittencourt relata episódios saborosos da vida pessoal e carreira do Maluco Beleza
Poucos artistas construíram em torno de si uma aura tão misteriosa como o fez Raul Seixas. O cantor e compositor, morto aos 44 anos em agosto de 1989, incorporava o desafio filosófico da Esfinge a Édipo: ‘decifra-me ou devoro-te’.
Com a intenção de conhecer mais de um artista tão interessante quanto enigmático, o jornalista Tiago Bittencourt escreveu ‘O Raul que me Contaram – A História do Maluco Beleza’, lançamento da Editora Martin Claret.
A ideia da obra partiu da realização de um documentário exibido na TV Brasil a respeito de Raul Seixas.
Nesta quinta-feira (24), às 19h, Tiago Bittencourt fará noite de autógrafos e bate-papo na Livraria da Vila, na Vila Madalena, em São Paulo.
Em conversa com o blog, o autor do livro revelou detalhes da relação do cantor com a televisão, a imprensa e ícones da comunicação como Silvio Santos – afinal, é verdade ou ‘lenda’ que o intérprete de ‘Metamorfose Ambulante’ brigou com o dono do SBT?
Quando surgiu a ideia do episódio sobre Raul Seixas no programa ‘Caminhos da Reportagem’, da TV Brasil?
Em 2014, nos 25 anos de morte de Raul, quando comecei a trabalhar na emissora. Adiamos o projeto por um ano e o realizamos em 2015, quando ele teria completado 70 anos. Raul Seixas já era presente na minha vida desde a adolescência. Tenho até hoje vários CDs e livros sobre ele, que adquiri ainda menino. Sem saber, fui me preparando para dar essa pequena contribuição à história dele. A equipe da TV conversou com personagens obrigatórios para falar de Raul, como Sylvio Passos (criador do primeiro fã-clube do cantor), Kika (ex-mulher do artista), Vivian Seixas (filha), Tania Menna Barreto (terceira companheira do cantor) e Marcelo Nova (cantor e parceiro musical de Raul), mas falamos também com alguns poucos desconhecidos do público, como o Dr. Luciano Stancka, que atestou o óbito de Raul; Sydney Valle ‘Palhinha’, guitarrista que deixou o trabalho com Raul depois de apanhar de fãs; Aguinaldo Pedroso, amigo que guarda até hoje o cartão bancário do cantor; Isaac Soares e Alexandre Pedrosa, fãs que guardam a cama onde Raul morreu. Após a gravação, tivemos menos de dois meses para analisar o material, escrever o roteiro e editar. A repercussão do programa foi fantástica. Recebi diversas mensagens, até dos próprios entrevistados, pela forma como mostramos desde o lado mais humano até o lado mais cruel da história de Raul Seixas.
Como foi o processo de transformar o especial de TV em livro?
A ideia surgiu logo depois da exibição. Num programa de uma hora de duração, a gente tem uma quantidade bem maior de horas gravadas. Diria que menos de 10% foi aproveitado. Tinha muita história que não podia ser perdida. Por isso a ideia de ter no livro as entrevistas na íntegra e contar como foi a produção, o contato com os entrevistados, a relação que mantive com eles, os percalços. Por exemplo: teve entrevistado que desistiu da gravação dias antes da viagem da equipe. Tudo isso entra no livro, como também depoimentos de profissionais que trabalharam comigo para o programa acontecer. Para escrever o prefácio, tive a felicidade de ter o Cláudio Roberto, amigo de Raul e coautor de diversos clássicos como ‘Maluco Beleza’, ‘Cowboy Fora da Lei’ e ‘Rock das Aranhas’. Em relação às imagens do livro, a maior parte é de frames tirados do que gravamos para a TV, uma forma de aproximar o leitor daquilo que o telespectador viu.
Em seu tempo, Raul Seixas teve o reconhecimento merecido na mídia ou isso só aconteceu postumamente?
Raul apareceu em vários programas populares, porque era exatamente o que ele queria. Não gostava de rótulos, como artista da classe A ou da C. Tinha o objetivo de passar sua mensagem. Por isso cantou nos programas de Chacrinha, Raul Gil, Faustão, Bolinha. Raul foi um cara isolado no meio musical, apesar da sintonia com alguns artistas no discurso contrário à ditadura militar. Já na década de 1980 houve uma rejeição a Raul, mas foi como um todo, de empresários, gravadoras e mídia, porque a dependência química afetava o trabalho dele. Quando morreu, gerou grande comoção. Pela influência que Raul Seixas tem sobre as pessoas até hoje, sua aura mística é mantida pela imprensa.
Ele fez parte de um momento histórico da TV brasileira: o especial ‘Plunct, Plact, Zuuum’, exibido na Globo, em 1983, e lembrado até hoje. Aquele programa teve impacto na carreira de Raul Seixas?
Fez também o ‘Plunct, Plact, Zuuum... 2’, no ano seguinte, com a música ‘A Geração da Luz’. A música conhecida como ‘Plunct, Plact, Zuuum’ na verdade se chama ‘Carimbador Maluco’, uma referência ao fã Sylvio Passos, que tinha mania de carimbar coisas com nome do fã-clube Raul Rock Club. E também foi uma homenagem para a filha, Vivian. A canção caiu no gosto das crianças. Foi uma nova perspectiva para o Raul ali. Na música, ele critica a burocracia dos governos, fazendo referência a um texto do anarquista francês Pierre-Joseph Proudhon, especialmente no trecho ‘tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado, se quiser voar’. Esse álbum ganhou disco de ouro e ajudou a alavancar a carreira dele. Naquela época, Raul estava sem fazer show.
Há no livro citação de uma participação de Raul Seixas com Marcelo Nova no Faustão. Como foi?
Aconteceu em 1989. Raul já estava mal de saúde, era visível a debilitação física (nota do blog: o cantor morreu devido a complicações do diabetes e do alcoolismo). Há uma diferença clara na performance dos dois: Marcelo bem ativo e Raul pouco se mexia. Marcelo Nova conta que essa participação foi um pedido de André Midani, diretor da Warner na época, gravadora pela qual eles lançaram o disco ‘A Panela do Diabo’, o último de Raul. Marcelo disse que a apresentação no ‘Domingão do Faustão’ foi uma exceção, porque quando eles começaram a turnê, ninguém da mídia se interessou em dar espaço aos dois.
Existiu mesmo um desentendimento entre Raul e Silvio Santos?
Não posso afirmar que houve, porque não entrevistei Silvio Santos. Ouvi o pesquisador Leonardo Mirio (autor do livro ‘Raul Nosso de Cada Um’) e ele acha essa história suspeita. Dizem que Silvio Santos não gostou de uma participação do Raul em seu programa, porque o cantor teria ‘tomado conta’ do auditório. Leonardo conta outra situação, na qual Raul teria xingado Silvio, dizendo ter sido humilhado por ele. Mas Leonardo questiona tudo isso porque, já no fim da vida, Raul foi ao programa do Jô Soares, no SBT. E em 1981, quando Sylvio Passos ligou para o Raul pela primeira vez para dizer que estava montando um fã-clube, Raul achou que era Silvio Santos e falou que participaria do programa dele. Fica em aberto essa suposta briga.
Raul compôs muitas trilhas para teledramaturgia?
Em 1974, ele e (o hoje escritor) Paulo Coelho produziram pela Som Livre a trilha sonora da novela ‘O Rebu’, da Globo. A canção mais conhecida era ‘Como Vovó Já Dizia’. Quase todas as músicas foram compostas pelos dois. Algumas, Raul canta. Uma composição para a novela, ‘Planos de Papel’, foi gravada por Alcione.
Após pesquisar tanto sobre Raul Seixas, diga o que ele acharia do mundo de hoje. Seria um artista recluso, vivendo do passado, ou integrado ao universo da comunicação digital?
Raul foi um artista popular, midiático e que se reinventou com diversos estilos musicais. Era uma metamorfose ambulante. Seria pretensioso dar uma resposta taxativa. O dom de surpreender é fascinante na história dele. Acho que continuaria surpreendendo as pessoas e a sociedade em geral.