Lula está cada vez mais próximo da Globo e do clã Marinho
Presidente eleito começa a recriar relação amistosa perdida após a morte do fundador da TV
Em janeiro deste ano, Lula almoçou com alguns jornalistas convidados pelo PT no Hotel Grand Mercury, na região do Ibirapuera, em São Paulo.
Reclamou da mídia em geral e se mostrou especialmente incomodado com a direção da TV Globo.
Não apenas pelo conteúdo das matérias sobre ele, também pela falta de diálogo com os donos do canal.
"A gente falava com o Dr. Roberto Marinho, mas não fala com os filhos dele", disse, entre garfadas de arroz e picanha.
Nas entrelinhas, sinalizou o desejo de ser aceito pelo clã bilionário.
Hoje, há um processo de reaproximação entre o presidente eleito e a emissora líder de audiência.
Alguns jornalistas da rede têm a confiança de pessoas próximas do petista e reconstroem a ponte que desabou com a cobertura do impeachment de Dilma Rousseff e do julgamento de Lula na Lava Jato.
Entre eles, a apresentadora e comentarista de economia Miriam Leitão, a apresentadora do 'Estúdio i' Andréia Sadi e o repórter Guilherme Balza. O ex-global Chico Pinheiro é outro a colaborar.
A relação de Lula com a Globo foi tensa na maior parte dos últimos 40 anos. A começar pela pouca visibilidade dada a ele como líder sindical.
Depois, na eleição de 1989, o fundador Roberto Marinho não só apoiou Fernando Collor como ordenou que diretores de sua TV treinassem o candidato de direita para os debates.
No confronto decisivo, às vésperas do 2º turno, o empresário mandou reeditar uma matéria por concluir que o material beneficiava o petista contra o 'caçador de marajás'.
O 'Jornal Nacional' exibiu a nova versão, com 1 minuto e meio a mais de tempo para Collor. "Eu fui para o segundo turno, mas não ganhei porque a Globo me roubou", disse o líder da esquerda, anos depois.
O episódio de explícita manipulação é descrito no projeto 'Memória Globo' como um "equívoco" da história de seu jornalismo, assim como antes havia errado ao se curvar aos generais da ditadura.
Avancemos o tempo. Ao longo dos 580 dias de prisão na PF de Curitiba, Lula questionou várias vezes a Globo por não ter solicitado nenhuma entrevista. Mostrou-se indignado pelo que considerou um boicote.
A relação turbulenta começou a mudar em agosto, na sabatina no estúdio do 'JN'. O então presidenciável ouviu o que jamais imaginaria da boca de William Bonner. "O senhor não deve nada à Justiça."
As pazes foram feitas. Após a vitória nas urnas, Lula e sua mulher, a socióloga Janja da Silva, têm recebido tratamento especial com amplo espaço nos telejornais da Globo e GloboNews.
O presidente eleito quer mais, segundo se comenta nos bastidores da transição em Brasília. Deseja uma comunicação direta com a cúpula do maior grupo de mídia do País.
Longe das câmeras, ele e Roberto Marinho superaram a animosidade com duas conversas francas, olho no olho. Uma na redação de 'O Globo', no Rio, e outra em Paris. Passaram a ter uma relação cordial.
Quando o todo-poderoso jornalista morreu, em agosto de 2003 (no 1º ano do 1º mandato), Lula se deslocou com uma comitiva até a mítica casa do Cosme Velho para o velório. Foi recebido com estima pela viúva, dona Lily de Carvalho Marinho (1921-2011).
Os herdeiros diretos de Roberto Marinho — seus filhos Roberto Irineu, 75 anos, João Roberto, 69, e José Roberto, 66 — não são tão envolvidos com a elite da política como era o criador da Globo.
Por isso, para a frustração de Lula, o contato com eles sempre foi distante. Os três são homens de negócios, não demonstram a paixão pelo jornalismo que era tão visível no pai deles.
A era Lula 3 pode ser diferente. A Globo tem um novo presidente, Paulo Marinho, neto do fundador, com visão aparentemente expandida. Pelo que foi exibido em seus canais desde o decisivo 30 de outubro, o grupo está mais simpático a Lula.
O presidente que assumirá o mandato em 1º de janeiro deve dar duas boas notícias à Globo: a garantia da renovação da concessão por mais 15 anos (mesmo se Jair Bolsonaro negar o decreto) e aumentar as verbas de publicidade federal nos veículos do grupo.
Não poderia haver maior prova de amizade.