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“Negro safado”: a cena de novela da Globo que chocou o Brasil há 30 anos

Racismo explícito em ‘Pátria Minha’ gerou discussão na sociedade e uma tentativa de censurar a emissora

13 mai 2024 - 10h57
(atualizado às 10h59)
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Neste 13 de maio se comemora mais do que a Abolição da Escravatura no Brasil. É também o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo.

A discriminação baseada em preconceito de raça, cor ou etnia é crime inafiançável e imprescritível segundo a Constituição. A pena pode chegar a 5 anos de reclusão.

Em 2023, a partir de mudança na legislação, a injúria racial foi equiparada ao crime de racismo. Cerca de 56% dos brasileiros se declaram pretos ou pardos, informa o IBGE.

A teledramaturgia sempre teve papel fundamental na denúncia e na discussão dos diferentes tipos de racismo no Brasil. As novelas ambientadas na época da escravidão, a exemplo de ‘Escrava Isaura’ e ‘Sinhá Moça’, davam amostra do horror vivido pelos africanos trazidos à força ao Brasil.

Tramas com casais interraciais, como ‘O Outro Lado do Paraíso’ e ‘Da Cor do Pecado’, contribuíram para o debate sobre a questão da marginalização de pretos em uma sociedade tão miscigenada.

Em novembro de 1994, os brasileiros ficaram chocados com uma cena da novela das 21h da Globo ‘Pátria Minha’. Branco, o autor Gilberto Braga colocou o dedo na ferida que a maioria das pessoas finge não existir.

O jardineiro Kennedy (Alexandre Moreno) é flagrado pelo patrão Raul (Tarcísio Meira) perto de um cofre. Vilão da história, o empresário acusa o rapaz de furto. “Você não me engana, negro safado!”

“Não fui eu”, afirma o empregado. “Você pensa que acredito em crioulo?”, dispara Raul. “Vocês, Kennedy, quando não sujam na entrada, sujam na saída.”

Raul acredita que o suposto furto foi por vingança, já que não permitiu que o jovem saísse da mansão para estudar. “Pensa que ia conseguir aprender alguma coisa? Então não sabe que o cérebro de vocês é diferente do nosso?”

“Ladrão”, “vagabundo”, “ordinário”, “moleque”, “negro insolente” foram outros xingamentos usados pelo crápula contra o inocente. “Negro sem-vergonha, negro!”, grita ao final da sequência.

“Usamos palavras fortes porque queremos que a novela traga à tona a discussão sobre o racismo no Brasil”, explicou Sergio Marques, coautor de ‘Pátria Minha’, à ‘Folha de S. Paulo’. Funcionou. A central telefônica da Globo recebeu centenas de ligações de telespectadores horrorizados.

Uma entidade representativa da cultura negra entrou na Justiça contra a emissora para impedir a exibição do diálogo, mas não obteve êxito. Ainda bem, seria um ato de censura contra um momento importante na história da televisão.

Numa era sem acesso à internet e antes das redes sociais, o boca a boca suscitou discussão nos quatro cantos do país. A imprensa repercutiu.

Houve quem se revoltasse com a passividade do empregado diante do racismo do patrão. “O Kennedy não aceitou os insultos, apenas ficou sem reação”, justificou Alexandre Moreno.

Apesar das décadas de experiência, Tarcísio Meira sofreu para fazer a provocativa cena. “Mesmo sabendo que se tratava de ficção, tive dificuldades para lhe dizer aqueles absurdos”, admitiu à ‘Folha’.

“Odeio Raul Pellegrini. Eu o abomino profundamente. Só aceitei fazê-lo para me exercitar como ator. É difícil interpretá-lo, não me dá o menor prazer.”

A sequência, que pode ser assistida abaixo, continua potente em sua intenção de apontar a discriminação que explode em determinadas situações. Muitas vezes, a pessoa branca não parece racista, mas basta ser contrariada por um negro para usar a questão racial como instrumento de ofensa.

Tarcísio Meira (Raul), falecido em 2021, e Alexandre Moreno (Kennedy) protagonizaram uma das cenas mais fortes e revoltantes da teledramaturgia brasileira
Tarcísio Meira (Raul), falecido em 2021, e Alexandre Moreno (Kennedy) protagonizaram uma das cenas mais fortes e revoltantes da teledramaturgia brasileira
Foto: Reprodução

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