Novela mostra o racismo praticado por brancos e entre negros
Romance interracial de ‘O Outro Lado do Paraíso’ discute diferentes práticas de discriminação
“Mas ela é preta!”, reage Ivanilda (Telma Souza) ao ver a moça com quem o estudante branco Bruno (Caio Paduan) troca beijos na pista de um show. “Mulher esperta, agarrar um homão desse.”
Na cabeça da manicure – negra como Raquel (Érika Januza), tal a namorada do rapaz – é, num primeiro momento, incompatível a união de pessoas com tons de pele tão diferentes.
Ela pratica o mesmo racismo do qual é vítima diariamente. Passado o estranhamento, Ivanilda entrega certo fetiche racial pelo jovem galã: “Descascava ele que nem laranja”.
Walcyr Carrasco, autor de ‘O Outro Lado do Paraíso’, vai além do racismo de branco com negro: ele quer mostrar também a discriminação entre os próprios negros.
Um tema espinhoso em um País racista ainda que tão miscigenado. E aqui o racismo costuma ser disfarçado. Criou-se até uma expressão para o preconceito não explícito praticado pelo brasileiro: racismo cordial.
Na trama das 21h da Globo, Raquel é uma quilombola que vai trabalhar na casa de Nádia (Eliane Giardini), mãe de Bruno, uma mulher arrogante e colecionadora de preconceitos.
Ela faz questão de humilhar a empregada com comentários em referência à sua origem étnica. Na cabeça da dondoca, o mundo se divide entre ‘nós’ (os brancos ricos) e ‘eles’ (todos os que não se enquadram nesse perfil).
Desde a chegada de Raquel, Nádia percebeu o interesse imediato de Bruno pela nova doméstica.
Ao comentar sua preocupação com o marido, o juiz Gustavo (Luis Mello), ouviu um deboche: “Elas (as empregadas) estão aí para isso mesmo. O filho do patrão é o namoradinho pra elas”.
O magistrado representa um pensamento do período escravagista: a negra é um objeto sexual usado para atender o desejo do homem branco dominante. Realidade tão antiga e assustadoramente tão atual.
A jornalista Alexandra Loras, nascida em Paris e ex-consulesa da França em São Paulo, afirma que o Brasil é a nação mais racista do planeta.
Em entrevista à ‘Veja’, ela explicou seu ponto de vista: “Sei que essa colocação é um pouco violenta para os brasileiros que gostam de se ver morando em um País onde a democracia racial deu certo. Mas o Brasil é o mais racista porque tem a segunda maior população negra do mundo e isso não é refletido na sociedade”.
É esse o questionamento proposto no horário nobre da Globo. Resta descobrir se o público vai aproveitar a visibilidade do problema para discuti-lo ou continuará a fingir que a discriminação racial é apenas ‘coisa de novela’.
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Fotos: Raquel Cunha/TV Globo – Legenda: Ivanilda (Telma Souza) ficou incomodada ao ver Bruno (Caio Paduan) aos beijos com Raquel (Érika Januza): preconceito de negro contra negro