“Ela é uma macaca!”: nova novela do Viva expõe racismo que não deve ser apagado
Insultos contra personagem de Zezé Motta seriam proibidos hoje, mas não podem ser censurados para atender ao politicamente correto
Em ‘Corpo a Corpo’, ao ser informada de que o homem que deseja ter como genro está namorando a arquiteta negra Sônia (Zezé Motta), a vilã Lúcia (Joana Fomm) se revela uma abominável racista.
“Ela é uma macaca!”, grita. “Ele não pode se apaixonar por uma macaca. Já viu o nariz dela, aquele cabelo de bico?” Em outros momentos, a personagem também usa o termo ‘crioula’, bastante comum ao longo de séculos, e diz que irá mandá-la “para o tronco”, em alusão aos pretos escravizados. (Assista à cena ao final do texto.)
Reprisada pela primeira vez desde a exibição original, entre novembro de 1984 e junho do ano seguinte, na faixa das 20h, ‘Corpo a Corpo’ tocou na ferida do preconceito contra o negro bem-sucedido e a relação inter-racial.
Espera-se que o canal Viva, onde a novela está sendo transmitida às 14h50 e no início da madrugada desde junho, não elimine na edição os xingamentos racistas. Fazem parte do retrato de um tempo.
O choque que provocam hoje é benéfico à luta diuturna contra a discriminação, assim como trechos ofensivos de livros antigos precisam ser mantidos para reflexão e conscientização sob a ótica contemporânea.
Pasteurizar obras literárias e audiovisuais com flagrante racismo não vai diminuir a incidência de humilhação contra pretos e pardos. Ao contrário: enfraquece o histórico vergonhoso que precisa ser conhecido pelas novas e futuras gerações.
Escrita por autores brancos – Gilberto Braga e Leonor Bassères – obstinados em denunciar o problema, ‘Corpo a Corpo’ fez Zezé Motta sofrer incontáveis ataques de telespectadores revoltados em assistir a uma negra beijar a boca de um branco, Cláudio (Marcos Paulo). Um homem chegou a dizer à atriz que, se fosse seu companheiro de cena, lavaria a boca com água sanitária.
Ainda que o racismo continue a brotar todos os dias no Brasil, o relacionamento inter-racial passou a ser aceito – ou suportado – pelo público das novelas. Os xingamentos de Lúcia contra Sônia são impensáveis em uma trama atual, mesmo para denunciar o racismo. A patrulha do politicamente correto e o medo de cancelamento deixaram os dramaturgos menos ousados.
Ironicamente, o controverso termo ‘fogo nos racistas’ se materializa no final da personagem desprezível em ‘Corpo a Corpo’. Lúcia morre queimada em um incêndio provocado por ela mesma. Outro racista da novela, o milionário Alfredo (Hugo Carvana), pai de Cláudio, sofre um acidente e acaba salvo da morte pelo ‘sangue negro’ que ele não queria em sua família, doado por Sônia no hospital.
@luka45443 CORPOACORPO/ GILBERTO BRAGA_ JOANA FOM_MILLA MOREIRA
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