Claudia Ohana se encanta com personagem "comum" de 'Joia Rara'
O olhar expressivo e os longos cabelos cacheados são a marca registrada de Claudia Ohana. O visual exótico, inclusive, proporcionou à atriz uma infinidade de papéis intensos e nada convencionais, como a vampira rockstar Natasha, de Vamp (1991), e a caminhoneira Cida, de A Favorita (2008). Na contramão do óbvio e perto de completar 51 anos – no próximo dia 6 de fevereiro –, ela comemora a possibilidade de dar vida a uma mulher comum como Laura, de Joia Rara, uma dona de casa devota ao marido e à família. "Com a Laura, sinto que as pessoas começaram a me ver de outra forma. O grande exercício para fazer essa personagem é me forçar a ser 'menos' em cena. Não preciso exibir força ou sensualidade, apenas ser simples e entender os sofrimentos dela", contou.
Carioca, filha de uma montadora de cinema e um pintor, a arte sempre esteve em evidência na vida de Claudia. Com a morte da mãe, começou a fazer figuração em tramas como Dancin' Days, de 1978. Até que a repercussão de sua estreia no longa-metragem Amor e Traição, de 1979, a levou de fato para a TV, onde estreou na série Obrigado Doutor, de 1981. Ao longo das duas décadas seguintes, teve destaque em tramas como Tieta (1989), Rainha da Sucata (1990) e A Próxima Vítima (1995). "Entre sucessos, personagens grandes e pequenos, criei uma relação muito gostosa com a TV. Tenho ficado meio distante de vez em quando. Mas, quando aparecem papéis interessantes como a Laura, fica impossível dizer 'não'", valorizou a atriz, que, ainda este ano, lança seu primeiro projeto como diretora, estará na versão teatral de Se Eu Fosse Você... e em Psi, nova série do canal por assinatura HBO.
TVPress – Em Joia Rara, Laura representa a típica mulher submissa ao marido dos anos 1940. Mas, aos poucos, ela questiona sua própria postura. Essa força da personagem a instigou a participar da novela?
Claudia Ohana – Laura tem uma força mais internalizada. Ser mulher naquela época não era uma coisa tão fácil (risos). Acho que o casal formado por ela e pelo personagem do Leopoldo Pacheco é muito fiel ao que era um casamento dentro do contexto da classe média daquele período. A gente nem precisa fantasiar demais para chegar até eles. O que leva minha atuação por um caminho bem intuitivo e natural. Durante muitos capítulos, minha principal referência era a fragilidade dela. Aos poucos, isso foi mudando e a personagem ganhou outros contornos, enfrentando a família e envolvendo-se com causas sociais. No entanto, continuo tentando fazê-la da forma mais doce possível.
TVPress – Por conta dos cabelos e do olhar, sua presença cênica é muito forte. Interpretar um tipo mais sóbrio é uma forma de fugir do óbvio?
Claudia – Dar vida a um tipo mais comum e contido é uma experiência bem interessante. É engraçado, mas muita gente fala do meu olhar e sei que tenho um rosto exótico. Isso marca muito e acabo emprestando um pouco dessa força aos papéis. Joia Rara é toda amparada por personagens femininos de muita intensidade. A trama está a favor disso e a Laura acabou se inserindo aí. Mesmo assim, ela não perde a doçura e o jeito mais leve de se portar. Coisa de novela! Você sabe como começa e nunca sabe como termina (risos). Quando a personagem é bem escrita, ela funciona em qualquer nuance. E gosto do desenho que as autoras estão dando para a Laura.
TVPress – A primeira vez que você trabalhou sob o texto da Duca Rachid e da Thelma Guedes foi em Cordel Encantado, de 2011. Gosta desse tom mais teatral e lúdico da dupla?
Claudia – Cordel Encantado deu tão certo que criou-se uma turma, envolvendo as autoras, a Amora Mautner, diretora geral e boa parte do elenco. Eu gosto da pegada de magia delas e queria voltar ao universo de dramaturgia de época, algo que eu não fiz tanto na TV. Fiquei ainda mais feliz quando soube que faria uma personagem rica! As granfinas das novelas não "rodam" muito, não fazem muitas gravações externas e isso é ótimo. Como estava fazendo peça e filmando um trabalho em São Paulo, pude encaixar a novela nessa rotina apertada. Até porque estava há dois anos afastada dos estúdios e meio destreinada.
TVPress – Durante os anos 1990, você acumulou papéis de destaque em tramas como Rainha da Sucata, Vamp e A Próxima Vítima. No entanto, nos últimos anos, sua presença em novelas tornou-se bissexta. A televisão deixou de ser uma prioridade?
Claudia – Acho que eu passei a fazer só o que tenho vontade, o que eu acho realmente relevante. Pela falta de personagens interessantes nos últimos anos, acabei concentrando meu trabalho no cinema e no teatro. Sei que não é todo dia que aparece uma Natasha (protagonista de Vamp) ou uma vilã como a Isabela (de A Próxima Vítima). Qualquer atriz tem de conviver com essa sensação. É por isso que aproveito quando tenho a chance de fazer um grande trabalho.
TVPress– A Próxima Vítima, inclusive, está sendo reprisada pelo canal pago Viva. Qual sua principal lembrança desse trabalho?
Claudia – Eu assisti a algumas cenas e achei muito engraçado. Como a novela envelheceu bem! Lembro que estava mais gordinha e que apanhei muito de boa parte do elenco durante toda a trama (risos). Por causa disso, vivia com dor de cabeça.
TVPress – Você chegou a pedir para sair da novela, não?
Claudia – Eu tive um ataque de frescura depois de gravar uma das cenas mais antológicas da trama, onde Isabela é espancada pelo Diogo (Marcos Frota) depois de ser flagrada na cama com o tio. No calor do momento, o Marcos acabou me dando um tapa de verdade e eu caí. Assim que o Jorge Fernando (diretor) parou a gravação, comecei a chorar, dizendo que não estava ali para apanhar daquele jeito. Foi a primeira e única vez que eu dei "piti" gravando. Essas coisas acontecem.
TVPress – Geralmente, seus personagens são bem diferentes entre si. É uma imposição sua?
Claudia – Em partes. Televisão é muito negociação e o ator precisa ir com a maré. Funciono por convites e até hoje me surpreendo com as personagens que reservam para mim. No entanto, sinto que já estou predestinada para o exagero. Nisso, Joia Rara é um marco, pois tenho a chance de imprimir no vídeo a faceta de uma mulher comum. Sou sempre chamada para a vampira, a stripper, a dondoca apaixonada pelo tio, a caminhoneira, a cangaceira. É tudo muito exótico (risos).
TVPress– Em algum momento isso a incomodou?
Claudia – Não. Eu pude me divertir muito fazendo todas essas mulheres complexas. A escalação acompanhava o meu jeito de ser. Agora, que estou ficando mais velha, consigo convencer mais e passar a imagem de uma mulher comum. Antigamente, era muito olhão e cabelão. Isso fica bem claro ao pensar em Vamp, por exemplo. Do alto dos meus 1,66 m de altura, eu virava um mulherão, que cantava rock e tinha dentes afiados (risos).
TVPress – A música sempre esteve muito presente na sua vida e, em Vamp, isso ficou evidente para o público. Por que você não investiu em uma possível carreira de cantora?
Claudia – Na época, choveram convites de gravadoras. Se eu fosse esperta e boa empresária, teria investido muito em mim. Mas eu era mais uma idealista da arte, achava um absurdo a possibilidade de aproveitar aquele trabalho e a personagem para fazer sucesso.
TVPress – Você se arrepende dessa postura?
Claudia – Arrependimento é inútil. Gostaria de ter a grana, mas também acho bonito ter princípios. Naquela época, eu estava preocupada em não me vender (risos). Hoje, acho isso tudo uma grande besteira. Por sorte, investi em musicais e pude continuar mostrando a voz nos palcos.
TVPress – Além de Joia Rara, ainda este ano, você estará no teatro com a versão musical de E Se eu Fosse Você... e na série Psi, da HBO. Como vai conciliar os três projetos?
Claudia – A peça estreia em março no Rio de Janeiro, a novela vai até abril e a série já está totalmente gravada. Só vou emendar os ensaios do musical com o final do folhetim, mas não é a primeira vez que me envolvo com diversos trabalhos ao mesmo tempo. Estou em um momento de muita satisfação profissional. A novela é linda e minha personagem, muito estimulante. No musical, eu volto a trabalhar com um monte de gente que adoro, o Daniel Filho, inclusive. E a oportunidade de fazer algo com a HBO foi muito bem-vinda. Eles dão um acabamento único para as produções que fazem.
Joia Rara – Globo – De segunda a sábado, às 18h20
Olho na tela
O primeiro contato de Claudia Ohana com a atuação foi no cinema. Ainda criança, ela acompanhava sua mãe, a montadora Nazareth Ohana, nos bastidores de longas como Vai Trabalhar Vagabundo. A estreia, no entanto, foi em 1979. Aos 17 anos, sob a direção de Pedro Camargo, Claudia protagonizou Amor e Traição. Já encantada pela sétima arte, a atriz foi construindo, aos poucos, uma relação forte com os sets de filmagem em longas como Ópera do Malandro e Luzia Homem. "O cinema é muito sedutor. E foi onde aprendi a ser disciplinada. Tive diretores muito rígidos, inclusive, casei com um", contou, entre risos, referindo-se ao seu casamento com o diretor Ruy Guerra.
No momento, Claudia prepara-se para dar mais um passo em sua carreira cinematográfica, mas como diretora. Depois de fazer vídeos experimentais, ela pretende lançar seu primeiro curta-metragem, Um Incrível Dia Vermelho na Vida de uma Dama de Alma Vermelha, ainda em 2014. "Pareço uma atriz, mas sou uma diretora. Antes, eu pensava que meu destino era ser cantora, mas a direção me 'pegou' de jeito. Dirigindo você faz sua obra. Além disso, adoro mandar", analisou a atriz, assumindo que dirigir um longa já está entre seus planos. A experiência por trás das câmaras, inclusive, facilitou a relação de Claudia com a carreira de atriz. "Me tornei mais paciente com a produção. O ator não tem noção do que acontece nos bastidores. É um caos", explicou.
O pulo da gata
A paixão assumida de Claudia Ohana pelo cinema atrapalhou o desenvolvimento de sua carreira inicial na TV. Tanto que ela assume que só conseguiu entender as engrenagens do veículo a partir de Vamp, de 1991. Na pele da sensual cantora/vampira Natasha, a atriz descobriu o poder de um personagem popular e o prazer em trabalhar no esquema industrial da televisão. "Fiz Amor com Amor se Paga e Rainha da Sucata, mas parecia mais um cabelo ambulante do que qualquer outra coisa. Em Vamp, aprendi a me portar no estúdio e entendi que nem todas as cenas são maravilhosas. O legal da TV é a possibilidade de ir acertando aos poucos", contou.
Trajetória Televisiva
# Amor com Amor se Paga (Globo, 1984) - Mariana.
# Tieta (Globo, 1989) - Tieta (1ª fase).
# Rainha da Sucata (Globo, 1990) - Paula.
# Vamp (Globo, 1991) - Natasha.
# Fera Ferida (Globo, 1994) - Camila.
# A Próxima Vítima (Globo, 1995) - Isabela.
# Zazá (Globo, 1997) - Maria Olímpia.
# A Muralha (Globo, 2000) - Antônia.
# Estrela-Guia (Globo, 2001) - Glorinha.
# As Filhas da Mãe (Globo, 2001) - Aurora.
# Canavial de Paixões (SBT, 2004) - Débora.
# Da Cor do Pecado (Globo, 2004) - Zuleide.
# Malhação (Globo, 2006) - Raquel.
# A Favorita (Globo, 2008) - Maria Aparecida.
# Cordel Encantado (Globo, 2011) - Benvinda
# Joia Rara (Globo, 2013) - Laura.