"Não ligo para quem diz que estou cheinho", diz Thiago Lacerda
Os olhos claros e o porte de galã jogaram Thiago Lacerda direto para o posto de herói romântico das novelas. Com 17 anos de carreira, ele encara os inúmeros mocinhos de sua trajetória com humor e satisfação. Mas deixa claro que quer ir além do óbvio. "Fico mais realizado quando um trabalho me tira da zona de conforto. O ator precisa de complexidades para se sentir mais seguro. Não basta só salvar a mocinha do vilão", analisa.
É exatamente esse "algo mais" que Lacerda enxerga no contestador Toni, de Joia Rara. O personagem, é claro, também vive uma história de amor. Mas o que vem fascinando o ator a cada novo bloco de capítulos é a paixão do operário pelas causas políticas e sociais dos anos 1940, época que ambienta a novela de Thelma Guedes e Duca Rachid. "É um personagem profundo, que defende seus ideais. E ainda tem uma caracterização extremamente prática. Não preciso mais fazer barba ou aparecer sempre bonitão no vídeo", ressalta.
Carioca fanático pelo Flamengo, Lacerda chega aos 36 anos mais maduro e criterioso em relação à carreira. "A televisão funciona melhor para o ator quando ele tem a possibilidade de escolher o que vai fazer", conta. A estreia no veículo foi na temporada de 1997 de Malhação. Logo depois, vieram dois trabalhos fundamentais na carreira do ator, a minissérie Hilda Furacão e o sucesso Terra Nostra.
Sem grandes vaidades e avesso à vida de celebridade, Thiago manteve seu foco no trabalho, passeando por diversos núcleos dentro da Globo, em novelas como Celebridade, América e Eterna Magia. "Sou ávido por aprender. Acho que é por isso que acabei optando por trabalhar com o maior número de pessoas diferentes possível", analisa.
TV Press - Personagens galãs e apaixonados como o Toni são frequentes em sua trajetória. Como você faz para não se repetir em cena?
Thiago Lacerda -
Preciso me apegar aos detalhes. A verdade é que, quanto mais a novela avança, vou vendo as possibilidades de fazer um galã cada vez mais diferente. O contexto e a ambientação do papel me ajudam muito nesse sentido. É a partir disso que construo o personagem e o distancio de possíveis comparações com outros. No caso do Toni, as autoras me ajudaram um bocado ao fazer dele um cara da luta operária. Ele não é só um cara que sofre para ficar ao lado da amada, existe uma "causa" social por trás disso.
Assim como o Matteo de Terra Nostra, Toni também é um personagem italiano em uma trama de época. A coincidência o deixou apreensivo na hora de aceitar o convite para a novela?
Não, até porque as coincidências param por aí. O fato de ser um personagem político me encantou de cara. A luta operária é um assunto que eu gosto muito e Toni também tem dilemas profundos, que exigem e merecem uma atenção especial. É o tipo de papel que eu sempre quis fazer.
Por quê?
Ele foge da figura normal do galã. Embora intenso, o amor aparece na vida dele de forma mais secundária. E ele tem uma "cara limpa", figurino simples. Nem preciso passar tanta maquiagem. Fora que eu adoro o processo de construção de um personagem de época. Me empolgo com as aulas de história, com a pesquisa de filmes e a ambientação da novela como um todo. Para esse trabalho, por exemplo, me aprofundei na teoria marxista. Eu vejo Joia Rara e sinto um orgulho enorme de estar em um projeto tão bonito e arrojado.
Você participou do primeiro capítulo de Cordel Encantado e agora volta a trabalhar com a mesma equipe de forma integral. A boa experiência anterior o levou para o projeto?
Com certeza. Em Cordel Encantado ficou uma vontade de fazer um trabalho inteiro sob a direção da Amora (Mautner) e do Ricardo (Waddington). A linguagem e o formato da novela, embora pareça tradicional, são extremamente sofisticados e de muito bom gosto. Acho que a teledramaturgia merece novas ideias e, em Joia Rara, eles aperfeiçoam o que já tinha sido testado em Cordel Encantado. O que essa equipe faz é revolucionário.
Como assim?
O jeito de fazer TV é diferente. Todo mundo fala que o ritmo industrial das gravações tira o que poderia existir de arte na TV. Nesse trabalho é tudo tão artesanal e fresco que se torna inovador. É um processo que mistura linguagem e procedimentos do teatro e do cinema. E dá ao diretor e ao ator a chance de criar, de tentar novas possibilidades na hora de gravar. Há muito tempo que eu não improviso tanto em cena. E isso é bem instigante. Porque, quando você trabalha com pessoas abertas e experimentais, não sabe muito bem para onde vai o trabalho, só que ele vai chegar a um bom lugar.
Na maioria de seus trabalhos na TV, você está sempre com o visual impecável. É bom estar mais distante da imagem do galã arrumadinho?
É confortante. E acho que deixa a atuação, que é o mais importante dentro da produção, em destaque. Não tenho mais o corpo atlético de antigamente e esse personagem não me exigiu qualquer esforço físico mais complexo. Eu me sinto bem assim e não ligo para os que ficam criticando dizendo que estou mais cheinho ou se emagreci. A barba coça um pouco, mas é ótimo não ter a preocupação de estar sempre com o rosto lisinho. O que está em cena não é o Thiago pronto para fazer o "bonitão", mas o ator e suas referências. Eu estreei na TV na pele do galã jovem e fui sendo chamado para o papel de herói a cada novo trabalho. Lógico que novelas como Terra Nostra e Celebridade foram muito prazerosas, mas é legal variar, fazer outras coisas. Protagonistas ou não, eu gosto e quero personagens mais complexos. Essa é a minha grande vaidade agora e é o que divide o ator estreante de Malhação do cara que sou hoje.
Você consegue destacar algum personagem que tenha evidenciado essa evolução como intérprete?
Um apenas fica difícil. Até porque foi um processo e essa suposta evolução ainda está acontecendo. Por sorte, nunca estarei completamente pronto. Sei que tinha algumas limitações no início da carreira, que não tenho uma sólida formação de teatro. Mas fui aprendendo na marra, errando aqui e acertando ali. E, sobretudo, observando muito. Atuei ao lado de gente como Paulo Autran, Fernanda Montenegro e Mário Lago, entre outros nomes de peso. Minha atuação é muito intuitiva e aproveitei cada momento que contracenei com essas pessoas. Aliás, só um sujeito muito estúpido não aproveitaria essa oportunidade.
Nos últimos anos, você tem ficado mais tempo fora do ar entre uma novela e outra. Está mais criterioso com a escolha de novos trabalhos na TV?
Eu não faço mais tudo o que aparece. E acho ótimo ter um tempo para descansar, fazer outras coisas, experimentar no teatro e no cinema. E, paralelamente, fazer uma ou outra participação na TV. Entre A Vida da Gente e Joia Rara, mergulhei no teatro com Hamlet, de Shakespeare. Além de realizar um sonho comum a qualquer ator, foi uma experiência que me deixou mais seguro. Voltei feliz para a TV. Existe um movimento para fazer novelas mais curtas e eu o apoio de coração (risos). Embora eu adore trabalhar, o processo é muito desgastante. E como sou aplicado, passo a viver apenas para o trabalho.
Entre minisséries, filmes e novelas, você tem feito muitas coisas sob a direção de Jayme Monjardim. O que o atrai para os projetos do diretor?
A gente tem uma afinidade artística forte. Eu não gosto só de novelas de época, só de teatro, só de tramas urbanas. Gosto de passear por todas essas linguagens e estéticas. No núcleo do Jayme, encontro isso. Filmamos O Tempo e O Vento, um projeto audacioso e muito bonito, onde um elenco de primeira foi até o sul do país para dar o seu melhor à obra de Érico (Veríssimo). Quando ele me convida para novelas, sabe o que vai me instigar, o que eu posso entregar para a trama. As últimas três novelas inteiras que fiz, inclusive, foram com ele, sendo que A Vida da Gente, em especial, é um trabalho que eu tenho muito carinho. É o tipo de novela bonita de se fazer e de ver.
Coisa da antiga
Thiago Lacerda confessa que tem uma "queda" por trabalhos de época. Muito dessa preferência vem do minucioso processo que essas produções exigem dos intérpretes. "Gosto de pesquisar, de debater com os autores, professores e colegas de elenco, chegar ao personagem por um caminho mais artesanal", conta. Coincidência ou não, Lacerda é sempre lembrado para produções históricas como Hilda Furacão, de 1998, Aquarela do Brasil, de 2000, e, mais recentemente, a microssérie derivada do filme O Tempo e O Vento. "Eu devo ter cara de época", brinca.
Entre tantos trabalhos do tipo, Lacerda acredita que A Casa das Sete Mulheres é um dos mais marcantes. Não apenas pelo sucesso que a minissérie fez em 2003, mas por mostrar ao público uma parte importante da história do Brasil: a Revolução Farroupilha. "A televisão pode ensinar sem ser chata. A série tinha ingredientes fortes e fisgou o público", lembra.
Pulo estratégico
Trabalho símbolo de uma "virada" na vida e na carreira de Thiago Lacerda, Terra Nostra completa 15 anos de exibição e ainda continua sendo a produção mais significativa da carreira do ator. "Foi uma comoção. Na época da novela, era difícil até andar na rua", lembra.
Na saga italiana de Benedito Ruy Barbosa, Matteo, o personagem de Lacerda, tinha como grande amor a sonhadora Giuliana, papel de Ana Paula Arósio. "A gente era muito jovem e foi difícil lidar com o assédio. No mais, foi enriquecedor passar por tudo aquilo e enfrentar os mais de 200 capítulos da trama", destaca.
Trajetória Televisiva
# Malhação (Globo, 1997) - Lucas
# Hilda Furacão (Globo, 1998) - Aramel
# Pecado Capital (Globo, 1998) - Vicente
# Terra Nostra (Globo, 1999) - Matteo
# Aquarela do Brasil (Globo, 2000) - Mário
# As Filhas da Mãe (Globo, 2001) - Adriano
# O Beijo do Vampiro (Globo, 2002) - Beto
# A Casa das Sete Mulheres (Globo, 2003) - Garibaldi
# Celebridade (Globo, 2003) - Otávio
# Quem Vai Ficar com Mário? (Globo, 2004) - Mário
# América (Globo, 2005) - Alex
# Páginas da Vida (Globo, 2006) - Jorge
# Eterna Magia (Globo, 2007) - Conrado
# Viver a Vida (Globo, 2009) - Bruno
# As Cariocas (Globo, 2010) - Silvinho
# Cordel Encantado (Globo, 2011) - Rei Teobaldo
# A Vida da Gente (Globo, 2011) - Lúcio
# Joia Rara (Globo, 2013) - Toni
# O Tempo e O Vento (Globo, 2014) - Rodrigo Cambará