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"O assédio me incomoda um pouco", diz Domingos Montagner

2 abr 2014 - 15h15
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Domingos Montagner vive o personagem Mundo na novela 'Joia Rara'
Foto: Luiza Dantas/Carta Z Notícias / Divulgação

O jeito sério e meio tímido de Domingos Montagner logo se dissipa. Rapidamente, o ator se mostra simpático e apaixonado pelo que faz. O intérprete de Mundo, em Joia Rara, carrega a simplicidade de quem tem no circo uma de suas principais formações – além do teatro.

"Não tenho uma escola formal, não fiz universidade de interpretação. Minha escola é a prática e os diretores do meu trabalho. O bom é que essa escola não termina nunca porque você sempre tem a oportunidade de conhecer outra pessoa", avalia. E, em cerca de quatro anos de carreira na TV, ele já trabalhou com os diretores Marcos Schechtman, José Alvarenga Jr., Amora Mautner,  Ricardo Waddington e Gustavo Fernandez.

Justamente por se identificar tanto com o teatro e o circo é que Domingos demorou para procurar a televisão. Depois de algumas participações, ganhou destaque em Cordel Encantado, de 2011, aos 49 anos. E, desde então, tem se mantido no ar com personagens de destaque, como o Zyah de Salve Jorge, ou protagonistas, como o Paulo Ventura da minissérie O Brado Retumbante, o segundo trabalho de relevância do ator.

De acordo com ele, esta trajetória bem-sucedida o pegou de surpresa. "Acho que a vontade tão grande de trabalhar na tevê e os anos que eu tinha de teatro se uniram para construir esse resultado positivo. Mas foi surpreendente porque teve um impacto muito rápido", afirma.

TV Press – A sua primeira novela foi Cordel Encantado, de 2011, escrita pela dupla Thelma Guedes e Duca Rachid, com direção geral de Amora Mautner e de núcleo de Ricardo Waddington. O fato de ser a mesma equipe à frente de Joia Rara foi uma motivação a mais para esse trabalho?

Domingos Montagner –

Sem dúvida. Foi um fator realmente relevante voltar a trabalhar com as autoras, com o núcleo do Ricardo, com a Amora e outros profissionais que trabalham junto com ela. Além disso, quando vi a sinopse, fiquei ainda mais empolgado porque era uma novela de uma época do Brasil que me encanta bastante. O personagem também era muito bom, representava o núcleo dos trabalhadores, um dos mais importantes da história. Ao mesmo tempo, Mundo é muito humano, apaixonado. Talvez, o personagem seja o item mais importante porque você tem de ter uma identificação com ele.

Na trama, Mundo passou por várias fases. Começou como líder sindical e se tornou político, por exemplo. Em que período o personagem exigiu mais de você como ator?

O começo. Estabelecer o personagem é sempre o processo mais tenso da criação. Porque você imagina o personagem, começa a construí-lo e quando vai realizá-lo é que percebe se está correspondendo ao que você está imaginando. Concretizar o que você construiu de uma maneira abstrata é sempre o mais difícil. E o começo do personagem é muito significativo. Foi quando eu tive de estabelecer bem as características do Mundo, essa personalidade convicta, pragmática, extremamente radical nas suas ideias. Eu tinha de representar realmente um pensamento político que existia na época porque Mundo reflete um tipo de pensamento que foi responsável por modificar muitas coisas nesse país, principalmente em relação à classe trabalhadora. Depois que você estabelece o personagem, tem de prestar atenção nas mudanças que ele vai sofrer, o que é um outro processo.

Você já assumiu que tem um processo de composição muito intuitivo. Foi assim também com Mundo?

Foi. Sempre é assim. Eu leio o personagem, vejo como são as características descritas pelos autores e sigo minha intuição. Procuro, na minha intuição, como seria esse personagem, como ele agiria corporalmente, como conversaria... Parto muito dessa impressão física porque a gente trabalha com imagem. Quando você vê o personagem, ele tem de exprimir alguma coisa que vai ser retratada psicologicamente. Depois que imagino como o personagem se comporta emocionalmente, agrego informações mais concretas. No caso do Mundo, por exemplo, ele vem do Nordeste, passou fome, praticamente não teve pais, foi criado pelo padrinho, criou a irmã e deve ter trabalhado desde que se entende por gente. Tudo isso são informações importantes para o papel e contribuem para a gente criá-lo.

A audiência de Joia Rara foi abaixo das expectativas da Globo. Mas qual foi a resposta do público que você teve em relação a esse trabalho?

Por ter sido muito próximo de Salve Jorge, os personagens quase se confundem. As pessoas ainda me veem muito como o Zyah, que era um papel de uma novela das nove. Então, tem um impacto muito maior e foi muito marcante. Mundo não é um personagem que teve uma repercussão tão grande como teve o Zyah, até pela própria característica das novelas. Mas acho que o Zyah era mais agudo, tinha um traço extremamente vertical. Vejo o Mundo como um personagem mais horizontal, que permeia a novela. As pessoas gostam muito da novela. Não é uma coisa apaixonada, mas é uma admiração artística do produto, que é muito bem feito. Tem uma certa nostalgia das pessoas que têm mais idade e veem retratados algum tipo de comportamento e relações humanas que não há mais hoje em dia.

Desde Cordel Encantado, você engatou em uma sequência de trabalhos. Foi uma escolha sua se manter no ar?

Também. A emissora continuou me chamando de um trabalho para o outro e, para mim, foi interessante. Essa novela, por exemplo, eu emendei praticamente com Salve Jorge. Não tinha a intenção de emendar uma trama na outra. Mas, quando veio esse convite, não tive como negar.

Pensa em descansar depois de Joia Rara?

Penso que sim, mas não sei se vou. Trabalho para a Globo. Mas acho que existe um diálogo bastante respeitoso entre mim e a emissora. Quando entrei na Globo, eles já sabiam da minha atividade fora e que eu preciso continuar fazendo teatro. Preciso porque tenho uma companhia e preciso como ator. Acredito que, com quanto mais frentes trabalha, mais um ator enriquece seu trabalho. E como me formei no teatro, realmente sinto falta de fazer teatro, de fazer meu circo. Tenho esse diálogo com a emissora. Esse negócio de ficar emendando, por mim, eu fico trabalhando. Mas acho que a gente tem de ter uma pausa mesmo porque você se repete, não tenha dúvida. É preciso ter um tempo de reflexão porque o ator é cheio de vocabulário, de instrumentos. Quando é solicitado, ele já acessa alguma coisa. Então, é legal você sair um pouco para aumentar esse vocabulário, senão você usa sempre o mesmo.

Apesar de sua entrada tardia, você vem acumulando papéis de destaque na TV – inclusive, protagonizou a minissérie O Brado Retumbante. Você imaginava uma consolidação tão rápida

Nunca. Não esperava. Eu esperava fazer um bom trabalho. Mas o Herculano, de Cordel Encantado, foi um personagem que atingiu uma repercussão inesperada. Lógico que ele era a cabeça-chave daquele núcleo do cangaço. Mas o próprio cangaço atingiu uma identificação tão grande com o público que acho que nem as autoras esperavam. Mas fiquei surpreso porque é uma linguagem que eu nunca tinha trabalhado efetivamente, só feito algumas participações.

Mas considerava investir na televisão antes?

Tinha muita vontade de trabalhar. Há muito tempo, queria trabalhar com vídeo, cinema, com imagem, fora do teatro. Porque faltava esse complemento para o meu ofício. Acho que essa vontade tão grande de fazer e também os anos que eu tinha de trabalho no teatro se uniram para construir esse resultado positivo. Mas foi surpreendente porque teve um impacto muito rápido. Fiquei muito feliz.

Chegou a se assustar com a fama?

É um pouco esquisito essa coisa de fotógrafo. Na coletiva de O Brado Retumbante, por exemplo, eu era protagonista. As pessoas só queriam falar comigo e com a Maria Fernanda Cândido, fiquei assustadíssimo. Ali, foi complicado. Você tem de saber lidar com isso. Eu nunca gosto de expor minha família. Quando estou com eles, o assédio me incomoda um pouco. Acho que eles não precisam passar por isso só porque eu tenho essa profissão. Mas estou aprendendo. Até com foto, que é a coisa mais complicada para mim (risos).

Esse destaque que você ganhou em pouco tempo de televisão resultou em autonomia para escolher os personagens?

Ainda não. Não é que eu seja convocado, mas sou convidado a fazer. Ainda não tive a oportunidade de optar entre um papel ou outro. As coisas foram aparecendo em sequência. Por enquanto não recusei nenhum trabalho. Só pedi agora um intervalo um pouco maior para eu poder descansar e fazer cinema. Acho que o próximo trabalho que me convidarem para fazer, eu vou fazer. Escolher novela, escolher produto, ainda não estou lá. Tarcísio Meira, talvez (risos).

Desde Cordel Encantado, você passou a ser visto como galã. Como lida com esses estereótipos que a televisão cria?

Não só a TV, o cinema também. Acho que o vídeo colabora muito para isso porque ele é muito revelador. Essencialmente, ele mostra o que você faz melhor. Então, as pessoas têm a tendência de solicitar isso. Se precisam de uma pessoa que faz bem o bandido, vão pegar alguém que já fez um bandido muito bem. É um vício, uma tendência. Acho que a gente é que não pode cair nessa armadilha porque lógico que a solicitação sempre caminha por esse lado.

Mas esse "rótulo" de galã incomoda você?

Não incomoda porque é uma função. No vídeo tem isso. Eu não me ofendo, não. Mas eu não entro para fazer o galã nunca. Porque aí é derrota.

Você também é palhaço, uma imagem completamente distinta da que vem construindo com seus personagens na TV. É interessante explorar uma faceta distante do humor do picadeiro para o público maior e diversificado da televisão?

É ótimo. Eu sou um palhaço, eu não faço um palhaço. O palhaço não é um personagem. É uma coisa que se cria durante muitos anos, você desenvolve essa linguagem. E eu não trabalhava com naturalismo há muito tempo. É complementar. É muito interessante experimentar um personagem diferente. Fazer um político, um líder sindicalista comunista, um cara da Turquia completamente romântico e que tinha a cabeça no mundo da lua... É uma oportunidade incrível para qualquer ator.

Respeitável público

O circo é a grande paixão de Domingos Montagner. Quando já fazia teatro, resolveu procurar uma escola de artes circences. E teve a sorte, segundo o próprio ator declara, de ter Roger Avanzi, mais conhecido como palhaço Picolino, como mestre. "Comecei fazendo as aulas e me encantei. Fui entendendo a infinidade de possibilidades que existem na arte de palhaço", recorda.

Desde que estreou na televisão, Domingos só conseguiu se apresentar em uma temporada do Circo Zanni, do qual é um dos sócios. Mas, como também trabalha como diretor artístico dos espetáculos, se mantém sempre próximo. A vontade de estar no picadeiro, inclusive, pôde ser um pouco amenizada no início de Joia Rara, quando teve a oportunidade de participar de uma cena como palhaço.

Na história, Mundo e seus companheiros comunistas estavam sendo perseguidos pela polícia e se esconderam no cabaré. Para disfarçar, todos se vestiram de palhaço e fizeram um show. "Foi muito legal. Eu que montei a cena, a maquiagem e o figurino", orgulha-se ele, que já prepara uma nova montagem de seu circo para maio.

Além da imagem

Em Cordel Encantado, Domingos Montagner apareceu em cena como o cangaceiro Herculano. E a imagem bronca e carrancuda do personagem atraiu um público inusitado para o ator: as crianças. Era comum ele ser abordado pelos pequenos com pedidos para tirar fotos. "A novela foi quase uma aventura infantil. Impressionante, as crianças nem sabem o que é cangaceiro", surpreende-se.

Trajetória Televisiva

# Força-Tarefa (Globo, 2010) - Cabo Moacyr

# A Cura (Globo, 2010) - Pai de Ezequiel

# Divã (Globo, 2011) - Carlos Alencar

# Cordel Encantado (Globo, 2011) - Capitão Herculano

# O Brado Retumbante (Globo, 2012) - Paulo Ventura

# Salve Jorge (Globo, 2012) - Zyah

# Gonzaga - De Pai Pra Filho (Globo, 2013) - Coronel Raimundo

# Joia Rara (Globo, 2013) - Mundo

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Fonte: TV Press
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