'Meu Pedacinho de Chão' é televisão com cara de cinema
Novidades encantam e assustam. Exibido nesta segunda (7), o capítulo de estreia de Meu Pedacinho de Chão, nova trama das 18h da Globo, foi um deslumbramento visual. O diretor Luiz Fernando Carvalho conceituou a novela como uma fábula. Parecia um sonho — às vezes, um surto. Um fino artesanato em formato de teledramaturgia.
A diminuta Vila de Santa Fé, onde se passa a história escrita por Benedito Ruy Barbosa, lembra uma casa de bonecas. No vídeo viu-se uma explosão de cores — dos tons pastéis aos mais berrantes — nos cenários e no figurino dos personagens. A linguagem inclui animação e efeitos especiais. A edição vai do estado de contemplação ao 'fast motion' (imagem acelerada). É televisão com cara de cinema autoral.
A novela é narrada pelo menino Serelepe (Tomás Sampaio), que se aventura pela vila com a graciosa Pituquinha (Geytsa Garcia). Os dois têm aquele carisma infantil capaz de seduzir imediatamente o telespectador. A garota é filha do vilão Epaminondas Napoleão, interpretado por Osmar Prado com a competência de sempre.
O personagem representa o coronelismo e a resistência ao progresso. Ele se opõe à abertura de uma escola no vilarejo. Afinal, cabeças pensantes são uma ameaça ao seu poder hegemônico. Uma explícita alusão à postura de muitos políticos e poderosos de um certo país sul-americano.
A tal escola é um projeto de Pedro Falcão, fundador da Vila de Santa Fé. O bom homem é vivido por Rodrigo Lombardi. Com voz de desenho animado, o ator teve uma das performances mais interessantes do primeiro capítulo. Para ensinar as crianças, ele contrata a professora Juliana (Bruna Linzmeyer).
Com cabelos cor-de-rosa e porte de princesa de conto de fadas, a personagem parece uma cosplayer, adolescente que se transforma em personagem fictício. Com sua doçura, ela enfrentará as artimanhas do Coronel Epaminondas e vai fisgar o coração do filho dele, Ferdinando (Johnny Massaro), também recém-chegado. Com visual riponga, o ator convence como galãzinho engajado.
No fim do capítulo, o jovem foi escorraçado pelo pai ao revelar que, ao invés de estudar Direito, se formou engenheiro agrônimo. Uma afronta ao coronel, que planejava transformar o herdeiro num alpinista político para perpetuar o poder familiar na região. Meu Pedacinho de Chão, cuja primeira versão foi ao ar em 1971, apresenta metáforas de um Brasil antigo, mas que continuam atualíssimas e igualmente preocupantes.
Outro destaque da estreia foi o capataz Zelão, papel de Irandhir Santos. A caracterização o faz parecido com um bonequinho Playmobil. Lembra ainda aqueles pistoleiros monossilábicos do 'spaghetti western', o faroeste italiano. Sua brutalidade será abalada pelos hipnóticos olhos azuis da professorinha Juliana.
Antônio Fagundes rouba a cena na pele do italiano Giácomo, o dono da venda. Suas expressões faciais são uma atração à parte. Juliana Paes parece uma Maria Antonieta surtada como Catarina, mulher de Epaminondas. Deu para notar que ela esconde um sentimento especial pelo enteado, Ferdinando. A ponto de se embebedar para não encarar sobriamente o primeiro confronto entre pai e filho.
Entre os coadjuvantes o destaque ficou por conta de Paula Barboza, que interpreta Gina, a mulher-homem da vila. Os veteranos Ricardo Blat (Prefeito das Antas) e Emiliano Queiroz (Padre Santo) também tiveram bons momentos.
Quem aguardava a aparição de Bruno Fagundes se frustrou. O filho de Antonio Fagundes entrará em cena apenas na sexta-feira. O personagem, Dr. Renato, disputará o coração da professora Juliana com o amigo Ferdinando e o inescrupuloso Zelão.
Muito se comenta do desgaste da telenovela. Meu Pedacinho de Chão é uma iniciativa de inserir alguma novidade ao gênero. Porém toda ousadia tem um preço. Uma linguagem tão lúdica — com uma estética incomum nesta faixa horária — poderá provocar estranhamento no público, que costuma ser conservador.
A audiência da estreia — 17 pontos — está entre as piores já registradas no horário. Ainda bem que existem emissoras como a Globo, dispostas até a sacrificar a meta de Ibope em nome da qualidade artística, com uma produção original capaz de tirar o telespectador de sua zona de conforto.
Meu Pedacinho de Chão não é revolucionária nem vai mudar o rumo da teledramaturgia brasileira, mas tem potencial para deixar uma marca interessante num momento de pouca inspiração na TV brasileira.