Antonio Calloni nega semelhança de Mustafa com Mohamed de 'O Clone'
Antonio Calloni encara seu trabalho na TV com paixão. Por isso, o intérprete do ético Mustafa, de Salve Jorge, assume que a melhor forma de lidar com seus papéis é evitar uma autocrítica apurada, que, de alguma forma, confronte ator e personagem. É assim que ele consegue encarar com vigor e sem muitos julgamentos qualquer tipo que possa interpretar. "Não é que eu perca meu lado crítico. Mas é mais saudável para um ator conviver bem com seu trabalho", analisa.
Para Calloni, cabe ao telespectador ter a visão criteriosa sobre o que assiste na TV. E seja crítico especializado ou público comum – que reclama da programação de TV nas redes sociais –, manifestar uma opinião é sempre válido. "Não se pode coibir nada. A liberdade de expressão é uma coisa que a gente alcançou e que não se pode perder. E, se alguém se sentir ofendido, que procure seus direitos", avalia.
Paulista e morador do Rio de Janeiro há anos, Calloni assume que a atuação faz parte de sua vida desde os tempos em que se apresentava nas peças escolares do Externato São Paulo. A estreia na TV foi em 1986, na cultuada minissérie Anos Dourados. A partir daí, o ator emendou trabalhos ao cair no gosto de diversos autores como Lauro César Muniz, autor de O Salvador da Pátria e da minissérie Chiquinha Gonzaga, e Gloria Perez, responsável por O Clone e Caminho das Índias.
Contratado da Globo ao longo de quase toda a sua carreira, ele ainda teve experiências na extinta Manchete e no SBT. "Fiz de tudo um pouco. Não posso reclamar das oportunidades e dos grandes personagens que tive", valoriza.
Assim como o Mustafa de Salve Jorge, a maioria de seus personagens na TV é de composição. Você prefere esse tipo de trabalho?
Não me importo muito se é um personagem de composição ou não. Gosto mesmo é de me apaixonar. E, é curioso, eu nunca me sinto compondo trejeitos e características de um papel. Tento estabelecer um diálogo com o personagem. É ele quem me leva a agir da melhor maneira em cena. Eu não me preocupo em ter de exercitar uma certa postura para chegar ao ponto exato do papel.
Até a famosa fase de laboratório você dispensa, então?
Não, eu faço laboratório. Tanto que fui até a Turquia, conheci o Grand Bazar, fiquei observado os vendedores de lá, o modo de falar. Mas, para ser honesto, não apreendo isso para fazer de forma racional e ensaiada. Eu gosto quando acontece naturalmente. Porque assim, vejo o personagens como resultado das profundas pesquisas que eu sempre faço. Cada personagem é único, mas uns tipos inspiram outros. Por exemplo, o Natal, de O Astro, teve repercussão de público e foi um dos meus maiores sucessos de crítica. Na época da preparação, a referência que eu tinha de bicheiro, dos caras poderosos do subúrbio era muito vasta. Mas o ponto de partida para esse papel foram as lembranças que tive de quando fiz a série A Vida Como Ela É, do Nelson Rodrigues, que foi o escritor que definiu o subúrbio carioca. E O Astro se revelou um trabalho muito marcante para mim.
Por quê?
É uma união de fatores. Foi um dos momentos mais prazerosos da minha vida. Meu personagem era fantástico e me deu a possibilidade de desenvolver algo extremamente diferente de tudo o que eu já tinha feito. Natal era um cara barra-pesada, mas que tinha um lado cômico, isso dava a ele muitas nuances. E, acima de tudo, gostei de participar de uma homenagem à Janete Clair, uma mulher extremamente importante para a dramaturgia nacional. Foi um momento feliz.
O Astro inaugurou o horário das 23 horas, onde se tem uma liberdade maior de conteúdo e um formato enxuto. Como foi voltar a trabalhar em um esquema mais tradicional de novelas como o de Salve Jorge?
O Astro renovou a carreira de boa parte das pessoas do elenco. Mas eu conheço bem o formato "novelão" e gosto muito dele também. A Gloria (Perez) é sinônimo de produções grandiosas. E Salve Jorge, de fato, confirmou-se mais uma trama ambiciosa, com ritmo de trabalho diferente. Acho que todo trabalho que dê ao ator a oportunidade de aprendizado é válido. Nessa novela, pude me tornar íntimo da cultura e dos costumes turcos. Tive a honra de ir até a Turquia e me deparar com toda a história de uma região que já foi capital de três grandes impérios. É o centro do mundo. Não é brincadeira (risos).
Salve Jorge é a terceira novela assinada pela Gloria da qual você faz parte. Como você se preparou para interpretar o Mustafa?
A Gloria me falou sobre o Mustafa em fevereiro do ano passado. Por minha conta, comecei a pesquisar, a aprender algumas palavras em turco. Eu curto muito esse tipo de estudo. É um personagem extremamente para cima, moderno e liberal. É um cara cosmopolita, que representa o povo turco atual. Extremamente ético, ele não carrega o peso do fundamentalismo. A religião é uma questão bem "light" na vida dele. Isso foi inspirador para mim.
Mustafa é um personagem muçulmano em mais uma trama étnica da autora. Em algum momento você ficou receoso de se repetir ou ter sua performance fortemente comparada à sua atuação como o Mohamed, de O Clone (2001)?
Assim que aceitei o convite, sabia que as comparações seriam inevitáveis. Afinal, assim como O Clone, Salve Jorge é uma novela da Gloria, cheia de personagens estrangeiros, ambientada em um país de maioria muçulmana. É normal o público fazer essa associação. Meu trabalho é diferenciar. Na minha cabeça, desde o início, o fato de Mohamed ser um fanático que rezava cinco vezes ao dia já era uma diferença imensa. Mas, quando meu nome foi revelado para o papel, choveram críticas e receios de que eu iria me repetir.
Isso o incomodou?
De jeito nenhum! Era uma preocupação meio sem sentido do público e da crítica, pois eu acho muito bacana lembrar de O Clone. Eu mesmo, às vezes, entro na internet e busco algumas cenas da novela. Ele era de um apelo popular incrível, custou para que o público deixasse de me chamar de Mohamed pelas ruas.
De alguma forma, você considera seu trabalho em O Clone como o encontro de sua arte com a público?
É um momento de destaque, sem dúvida. Como foi uma novela muito vendida para o exterior, teve uma repercussão internacional. Até hoje recebo e-mail do mundo inteiro abordando ou elogiando o personagem. Mas fica difícil eleger o mais popular. Até porque tive outros tipos bem aceitos pelo público antes. Fiz, ao longo da minha carreira, papéis bem carismáticos, como Bartolo de Terra Nostra (1999). E, mais recentemente, o César, de Caminho das Índias (2009).
Sua trajetória na Globo é marcada por trabalhos em diferentes núcleos da emissora. Para você, qual a importância de variar e experimentar outros grupos de trabalho?
Acho fundamental. Inclusive, a própria Globo tem a preocupação de não deixar formar muitas "panelinhas". É claro que, por afinidade, alguns atores, diretores e autores acabam trabalhando frequentemente juntos. Não sou contra isso. Afinal, é bom estar ao lado de quem se gosta e admira, mas tentar misturar núcleos, criar outros ambientes de trabalho é essencial para criar outro produtos e resultados. Eu gosto de variar. E acho importante para a minha carreira tanto rever antigos conhecidos quanto experimentar novos processos de criação com outros profissionais.
Salve Jorge é 20ª novela de sua carreira. Em qual momento você teve certeza de que atuar era o melhor caminho profissional a ser seguido?
Descobri que eu estava no caminho certo aos 10 anos de idade, quando estudava no Externato São Paulo (risos). Honestamente, foi ali que eu pensei: "quero ser ator". Eu fazia teatro na escola, escrevia peças e cresci vendo novelas. Aliás, a novela é a grande referência do brasileiro. Nossa cultura não é "shakespeariana", mas da novela que traduz o espírito latino, folhetinesco e "cafona" – entre aspas, senão vão achar que estou falando mal de novela. A gente carrega esse espírito melodramático e isso sempre despertou minha curiosidade e fascínio.
Aos pés das letras
Reconhecido como ator, Antonio Calloni mantém uma frutífera carreira na literatura, onde mostra sua porção escritor em títulos como Paisagem Vista do Trem e O Sorriso de Serapião e Outras Gargalhadas. Sua última incursão pelas letras, João Maior do que Um Cavalo e Maria Menor do que Um Burro, foi criada a seis mãos na companhia de sua mulher, Ilse, e de seu filho, Pedro. "O livro foi concebido em viagens de família. Foi um processo bacana e divertido, baseado na criatividade e cooperação", conta Calloni que, até o ano que vem, deve lançar 50 Anos Inventados em Dias de Sol e Algumas Poesias, livro que brinca com histórias ficcionais e experiências reais do autor.
"É uma mistura, um diário inventado. Não encaro como uma biografia porque não acho que minha vida seja tão interessante assim", analisa, com modéstia. Com um texto seu já montado para os palcos, Calloni mostra-se empolgado com a possibilidade de ver um de seus romances, no futuro, adaptado para o cinema. Entrentanto, ele não demonstra o mesmo entusiasmo quando o assunto é escrever para a TV.
"É um trabalho extremamente difícil. Acho que todo autor de novela merece aplauso. Os bons, os medíocres e os ruins. Não preciso ter a experiência para entender o quão complexo é o processo de se criar uma trama", ressalta, entre risos.
O bem do mar
Em tom de brincadeira, Antonio Calloni se define como um pescador que, eventualmente, escreve livros e trabalha como ator. É assim que ele justifica as inúmeras fotos e vídeos suas pescando em seu site oficial (www.antoniocalloni.com.br). "Por sorte, o roteiro da novela me permite continuar firme na pescaria. Nem considero pescar um 'hobby', é meu estilo de vida", garante. Entre muitas experiências em alto-mar, o mais curioso registro do ator é a pesca de um tubarão Mako, de cerca de dois metros.
"Faço os vídeos para os amigos não acharem que é apenas papo de pescador. E também é uma maneira de o público conhecer esse meu outro lado", explica.
Trajetória televisiva
- Anos Dourados (Globo, 1986) - Claudionor.
- Hipertensão (Globo, 1986) - Fratelo.
- Bambolê (Globo, 1987) - Augusto.
- TV Pirata (Globo, 1988).
- O Salvador da Pátria (Globo, 1989) - Tomás.
- Brasileiros e Brasileiras (SBT, 1990) - Plínio.
- O Dono do Mundo (Globo, 1991) - William.
- Contos de Verão (Globo, 1993) - Thales.
- Olho no Olho (Globo, 1993) - Boris.
- 74.5 Uma Onda no Ar (Manchete, 1994) - Mariano.
- Malhação (Globo, 1996) - Leon.
- Zazá (Globo, 1997) - Milton.
- Era Uma Vez... (Globo, 1998) - Maneco.
- Chiquinha Gonzaga (Globo, 1999) - Lopes.
- Suave Veneno (Globo, 1999) - Hanif.
- Terra Nostra (Globo, 1999) - Bartolo.
- Os Maias (Globo, 2001) - Palma.
- O Clone (Globo, 2001) - Mohamed.
- Um Só Coração (Globo, 2004) - Assis Chateaubriand.
- Começar de Novo (Globo, 2004) - Olavo.
- JK (Globo, 2006) - Schmidt.
- Páginas da Vida (Globo, 2006) - Gustavo.
- Amazônia - De Galvez a Chico Mendes (Globo, 2007) - Padre José.
- Beleza Pura (Globo, 2008) - Eduardo.
- Caminho das Índias (Globo, 2009) - César.
- Escrito nas Estrelas (Globo, 2010) - Vicente.
- Salve Jorge (Globo, 2012) - Mustafa.