Obsessão por fama e ‘vida fake’ podem causar depressão
Ser celebridade ou digital influencer não garante felicidade, afirma psicanalista João Nolasco
“Só há uma coisa no mundo pior do que se ver transformado em alvo de rumores. É não despertar rumor algum”, escreveu Oscar Wilde, autor da obra-prima ‘O Retrato de Dorian Gray’, que aborda o narcisismo, a inveja e o desejo de ser outra pessoa para se sentir melhor e mais feliz.
Hoje, milhões de indivíduos sonham com a fama na TV, no YouTube e nas redes sociais. Querem renunciar ao anonimato para se tornar celebridade e/ou digital influencer. Esperam, assim, ascender socialmente e serem vistos e tratados como ‘especiais’ num mundo que supervaloriza o status e as aparências.
O blog consultou o psicanalista João Nolasco, do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, Ciências Humanas e Sociais (IBRAPCHS), do Rio de Janeiro, a respeito dessa questão. Afinal, estamos condenados a obrigatoriamente recorrer aos holofotes para termos nossos valores reconhecidos e a inquietude existencial aplacada?
Muitas pessoas deixam de viver a própria vida para seguir a glamourosa vida de celebridades e digital influencers. O que isso pode gerar no emocional?
A busca desenfreada por este glamour é o resultado de um massacre hipnótico de uma classe produtora de fantasias. A negação da própria vida em torno da entrega desta fantasia pode conduzir o sujeito a diversas conflitivas, como frustrações e possivelmente a um processo depressivo. Interessante pensarmos que, na infância, quem nunca desejou ser uma fada, uma princesa, um super-herói, um astro de sucesso? No entanto, logo saímos deste conto de fadas e encaramos a realidade da vida, nos adequando e nos gratificando com o mundo real. Se o sujeito não vive sua vida real está fugindo de algo.
Qual o perigo de se dedicar tanto tempo a uma vida virtual em detrimento da existência real?
A vida é apenas uma. Sejam as questões virtuais ou reais, tudo é real para o sujeito que está a viver e produzir tais situações. Por mais que alguém crie um perfil falso ou tenhas amigos virtuais que nunca conheceu presencialmente, tudo é real. O grande risco é quando perdemos o controle ou o discernimento e, impulsionados por uma necessidade de preenchimento do vazio interior, nos isolamos das pessoas e encontramos no mundo virtual uma possibilidade de sermos aceitos e completar aquele vazio que, na verdade, jamais será preenchido dessa maneira.
Construir uma ‘vida fake’ nas redes sociais só para impressionar amigos e seguidores pode desencadear problemas como a depressão e o transtorno de personalidade?
Sim, as redes sociais se apresentam como vitrines de lojas maravilhosas, onde aquilo que está exposto é sempre o melhor, o mais lindo. Esta dinâmica é adotada principalmente por pessoas que vivem isoladas de si mesmas. É o chamado ‘eu cego’, ou seja, o indivíduo que nunca consegue se ver realmente. Para sanar tal angústia, ele projeta um personagem idealizado que nunca é real. Para essas pessoas, a depressão é uma companhia constante.
Muitas pessoas são reféns da obsessão por fama e sucesso, pois acham que assim vão se tornar ‘especiais’ e mais felizes. Qual sua análise desse repúdio ao anonimato e à vida comum?
Trata-se de um vazio existencial deste sujeito. Hoje muitos vivem em busca de ‘ter’ para ‘ser’. Este é um dos maiores problemas da sociedade contemporânea. Ao vivermos essa obsessão pelo ‘ter’ automaticamente nos desconectados do ‘ser’. Fugimos totalmente de nós mesmos, dos princípios reais e dos valores familiares que nos foram passados. Viver feliz de forma incondicional, sendo famoso ou anônimo, é uma busca contínua da compreensão da própria existência.