Por que artistas queridos do público morreram tão magoados com a Globo
O fim da vida de importantes colaboradores da emissora foi marcado pela sensação de abandono e ingratidão
Ser contratado pela Globo é sempre um motivo de festa. Representa o ápice na carreira de um artista dedicado à televisão.
Mas a relação entre a mais influente emissora e seus atores e apresentadores pode acabar em decepção e rancor. Alguns casos se tornaram conhecidos e simbólicos.
Ao morrer em dezembro de 2022, vítima de enfisema pulmonar aos 74 anos, Pedro Paulo Rangel estava ressentido com o canal onde fez novelas por 40 anos, até 2013, quando foi dispensado.
“Hoje em dia, sacudo os ombros para eles. Mas, na época, fiquei muito magoado. Não precisa, uma TV como essa, tão premiada, tão famosa, agir dessa maneira”, disse ao ‘Domingo Show’, da Record, quatro anos após a demissão.
Pedro Paulo saiu da Globo em uma das primeiras ondas de cortes no início da reestruturação financeira. Deixou para trás personagens populares como o Polyana de ‘Vale Tudo’ (1988), o Adamastor de ‘Pedra Sobre Pedra’ (1992) e o Gigi de ‘Belíssima’ (2005). Fez o primeiro nu masculino em novela na pele de Juca em ‘Gabriela’ (1975).
No início de 2016, Jô Soares comunicou ao público que aquela seria a última temporada de seu programa. Sempre elegante, ele deu a entender que havia sido uma decisão tomada de comum acordo com a Globo.
A verdade emergiu após a morte do apresentador, aos 84, por insuficiência renal e cardíaca, em agosto do ano passado. Em entrevista ao ‘Morning Show’, da Jovem Pan News, seu amigo de longa data, Nilton Travesso, fez uma revelação.
“Acho que o coração dele ficou muito triste quando ele foi afastado da televisão”, disse o renomado diretor de TV, parceiro de Jô em várias produções. “Tudo isso provocou um pouco de tristeza no interior dele.”
As novas gerações, infelizmente, desconhecem a importância de Theresa Amayo na teledramaturgia. A atriz começou a atuar diante das câmeras em 1953, quando o veículo ainda se popularizava.
Após se destacar em teleteatros e novelas, foi escalada para ser protagonista de ‘Véu de Noiva’ em 1969. Ela ensaiava interpretando a jovem heroína Andréa até que a Globo conseguiu tirar Regina Duarte da TV Excelsior e decidiu fazer a estreia imediata da ‘namoradinha do Brasil’.
“Tudo estava pronto para eu começar a gravar, mas a Regina Duarte acabou ganhando o papel. Fiquei tão magoada que não aceitei o papel principal de ‘Verão Vermelho’”, contou Theresa a ‘O Globo’ em 2001.
A atriz se transferiu para a concorrente TV Tupi e só voltou à emissora da família Marinho seis anos depois para atuar em ‘Pecado Capital’. Nunca mais conseguiu outra oportunidade de protagonizar uma novela. Morreu de câncer, aos 88 anos, em janeiro de 2022.
Difícil aceitar que o autor de clássicos da teledramaturgia como ‘A Escrava Isaura’ (1976), ‘Dancin’ Days’ (1978), ‘Anos Dourados’ (1986), ‘Vale Tudo’ (1988) e ‘Celebridade’ (2003) tenha terminado a vida mergulhado em sensação de fracasso.
Gilberto Braga passou seis anos remoendo a rejeição à novela das 21h ‘Babilônia’. “Sofro a humilhação pública diária de perder para a novela das 19h”, admitiu a ‘O Globo’, ressaltando o recorde negativo no Ibope. O dramaturgo se ressentiu com as intervenções da emissora na obra.
A fim de superar o trauma, ele logo criou outra novela, ‘Fogueira das Vaidades’. Acreditava que seria um sucesso. Empolgado, escreveu 80 capítulos. Ficou à espera do início da produção, mas o canal fez sucessivos adiamentos até cancelar o projeto em agosto de 2021. Gilberto Braga morreu dois meses depois, aos 75, em decorrência de uma infecção.
Poucos artistas deram contribuição tão revelante à Globo como Chico Anysio. Ele foi um gênio do humor. Fez a TV ser líder isolada de audiência com seus programas ‘Chico City’, ‘Chico Anysio Show’ e ‘Escolinha do Professor Raimundo’, entre outros.
O artista não conseguiu emplacar nenhuma atração nos últimos anos de vida. “Por uma suposta crítica à Globo, ele ficou dez anos fora do ar, na geladeira”, disse a viúva, Malga Di Paula, à Record. “Ele morreu querendo saber o que aconteceu.”
A morte de Chico, aos 80 anos, por problemas respiratórios, em março de 2012, gerou grandes homenagens no canal onde passou quatro décadas de sua carreira. As merecidas honrarias não apagaram a mágoa de alguns parentes e amigos que viram o comediante deprimido por ser mantido longe dos estúdios sem explicação.