Por que um enrustido e um gay afrontoso formam casal mais querido de novela
Ramiro e Kelvin caíram no gosto do público de ‘Terra e Paixão’ e são poupados de ataques homofóbicos na internet
Um giro rápido pelas redes sociais mostra a aprovação popular das cenas entre Ramiro (Amaury Lorenzo) e Kelvin (Diego Martins) em ‘Terra e Paixão’.
O clima homoerótico é embalado por comédia, o que explica a falta de protestos dos defensores da tradicional família brasileira e dos machos alpha.
Numerosos telespectadores devem se reconhecer no comportamento dúbio do capataz: vende a imagem de hétero raiz ao mesmo tempo em que se desmancha quando fica perto do gay afeminado e provocador.
Esse perfil é comum no universo dos homossexuais. O cidadão acima de qualquer suspeita que mantém uma vida dupla ao se relacionar com outros homens em sigilo. À sociedade, alguns até fingem ser homofóbicos para evitar qualquer suspeita.
Kelvin também representa um tipo cada vez mais comum. O gay que dá a cara a tapa para viver com liberdade. Veste-se como quer, não disfarça os trejeitos e manifesta sem culpa os desejos sexuais e afetivos.
No folhetim rural, os dois personagens formam o único casal com química em cena. Entregam momentos de humor em uma trama pesada.
A chegada da noiva do jagunço, a divertida encrenqueira Munda (Carol Romano), gera mais ebulição na conturbada interação entre o enrustido e a poc.
Carismáticos, Amaury e Diego – dois novatos vivendo o primeiro papel de destaque na TV – têm atuações convincentes, mesmo quando resvalam na caricatura.
O autor Walcyr Carrasco é hábil em criar e desenvolver personagens do mundo LGBT+ em suas novelas. O comportamento hipócrita de Ramiro lembra o do sisudo Coronel Amâncio (Genézio de Barros) de ‘Gabriela’. Longe dos parentes, ele vivia um romance secreto com o gay Miss Pirangi (Gero Camilo), do bordel da cidade.
Já Kelvin remete ao perfil do tresloucado Félix (Mateus Solano) de ‘Amor à Vida’, do agitado Cássio (Marco Pigossi) de ‘Caras & Bocas’ e do insinuante Zé Maria (Guilherme Piva) de ‘Xica da Silva’.
Em comum, todos apresentavam forte tom cômico. No país que mais mata LGBTs no planeta, os gays que fazem rir são mais aceitos pelos telespectadores. No caso de Ramiro, o público até releva as atrocidades cometidas pelo peão.
Resta saber ele e Kelvin vão evoluir dos apertões para o polêmico beijo gay. No desfecho de ‘Amor à Vida’, em 2014, Carrasco quebrou o tabu na Globo com o explícito gesto de amor entre Felix e Niko (Thiago Fragoso). Os agroboys aceitariam tal ousadia em ‘Terra e Paixão’?