Protagonismo negro nas novelas avança sob o fantasma da rejeição por racismo
Exemplos positivos cada vez mais numerosos não anulam dificuldades de atores pretos em papéis de destaque
Pela 1ª vez feriado nacional, o Dia de Zumbi e da Consciência Negra inspira um recorte sobre a presença de atores pretos no meio de comunicação mais popular do País, a televisão, presente em mais de 95% das casas.
A ocasião é especial para as mulheres. As três novelas inéditas da Globo são protagonizadas por atrizes negras: Duda Santos como Beatriz em ‘Garota do Momento’ às 18h, Jéssica Ellen na pele de Madá em ‘Volta por Cima’ às 19h e Gabz interpretando Viola em ‘Mania de Você’ às 21h.
Melhor ainda: não se trata de mera coincidência. A emissora investe cada vez mais no protagonismo preto em sua teledramaturgia. Tanto é que mudou a etnia de Raquel no remake de ‘Vale Tudo’. A personagem interpretada por Regina Duarte em 1988 será vivida agora por Taís Araújo.
A atriz, aliás, é uma referência na luta por mais diversidade racial na TV. Estrelou com sucesso ‘Xica da Silva’, na extinta Manchete. Em 2004, foi a 1ª negra a ser protagonista na Globo ao interpretar Preta na novela das 7 ‘Da Cor do Pecado’.
Cinco anos depois, nova conquista: surgiu como a 1ª Helena negra de Manoel Carlos em ‘Viver a Vida’. A rejeição à modelo bem-sucedida que admitia ter feito um aborto por priorizar a carreira fez Taís cair em depressão. Demorou a se recuperar.
Ela argumentou que os telespectadores não estavam prontos para aceitar uma mulher preta rica, famosa e com total autonomia sobre o seu corpo, sem que antes fosse mostrada sua luta para alcançar o ápice. Não gostaram de vê-la tão poderosa sem “carregar uma corrente” primeiro. O nome disso seria racismo?
Situação semelhante acontece com Gabz em ‘Mania de Você’. Viola gerou elogios nos primeiros capítulos, quando era pobre e oprimida. Na passagem do tempo, ao voltar da Europa como chef de cozinha reconhecida e com dinheiro, e vencer um reality show gastronômico, houve estranhamento de parcela numerosa do público.
O martírio dela, após perder tudo em plano armado por Mavi (Chay Suede) e Luma (Agatha Moreira), não parece sensibilizar os noveleiros. “Como mulher negra, posso te dizer, que o nosso sofrimento pouco importa. Não somos vistas como humanas”, escreveu uma leitora da coluna, Luciana Carla, de 46 anos, teóloga, pedagoga e professora de educação infantil.
“... logo não importa se sofremos ou não. Se fomos abandonadas ou não. Nosso sofrimento não gera empatia, porque, apenas quem está conosco na base (da pirâmide social) se identifica com o sofrimento de uma mulher negra. Sentimos empatia pelos nossos iguais.”
Em seu e-mail, Luciana Carla reagiu ao artigo ‘Recentes protagonistas de novelas da Globo foram rejeitadas por motivo parecido’, de 15 de novembro, no qual a coluna aponta equivalência na rejeição a Viola, Aline (Bárbara Reis), de ‘Terra e Paixão’, e Brisa (Lucy Alves), de ‘Travessia’. As injustiças e tristezas impostas às três não foram suficientes para despertar a compaixão do telespectador.
No texto, este colunista não cita a questão racial: são três atrizes negras como protagonistas. Por isso, a leitora se manifestou para ressaltar que, na visão dela, com lugar de fala, não se trata de coincidência. Acredita que a cor da pele da personagem determina mais ou menos identificação, aceitação e torcida da parte do público.
Para não ficarmos apenas em exemplos recentes de provável racismo, vale destacar pelo menos 1 caso positivo: Sheron Menezzes experimentou aclamação popular com sua Sol em ‘Vai na Fé’, de 2012.
A coluna arrisca uma explicação: a personagem representava uma típica matriarca brasileira, com marido problemático, conflitos com as filhas, mãe doente, pouco dinheiro, sonhos frustrados e, apesar disso tudo, otimista em relação ao futuro e fiel a seus princípios morais. Difícil resistir a esse ‘pacote’ emocional.