Quem sai da Globo costuma levar mágoa e alguns caem atirando
Onda de dispensas e demissões voluntárias confirma que o clima nos bastidores do canal está longe de ser um mar de rosas
Muitos jornalistas sonham ver sua foto 3 x 4 impressa em um crachá da TV Globo. Mais do que uma identificação profissional, é um sinal de máximo prestígio. Como se dizia antigamente, ser global “abre portas”.
O repórter ou âncora que aparece diariamente na tela da emissora ganha fama e seguidores nas redes sociais. Agrega valor ao currículo e desperta a ‘invejinha’ de incontáveis colegas de imprensa.
Mas nem tudo são flores atrás das câmeras da TV líder em audiência. Há pressão pela performance perfeita no vídeo, extrema concorrência pelos melhores postos e, às vezes, insatisfação pelo salário menor do que na concorrência.
O estresse e a frustração chegam ao ponto de o profissional que parecia tão realizado aos olhos do público preferir ir embora. Foi o caso de Michelle Barros, após 12 anos de casa.
O surpreendente pedido de demissão aconteceu poucos dias após ela ancorar a transmissão dos desfiles do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo e de uma ‘dança das cadeiras’ que não a contemplou com a desejada promoção a titular de algum telejornal.
“Eu cheguei a um nível ‘ok’ e não tem espaço para todo mundo”, desabafou Michelle. “Já estava exausta da reportagem de rua. Tinha completado esse ciclo.” Agora, vai se dedicar à produção de conteúdo para a internet.
Não é um caso isolado. Nos últimos anos, vários outros jornalistas deixaram a Globo em busca de maior reconhecimento e melhores ganhos. Entre eles, Mariana Ferrão, Gloria Vanique, Anne Lottermann, Marcelo Poli, Adriana Perroni, Nathalia Toledo, Tatiana Nascimento e André Hernan.
Foi-se o tempo em que o status era suficiente para segurar um bom profissional no canal da família Marinho. Esse prestígio, ainda que valioso, não diminui a decepção nem o cansaço, não ameniza a sensação de estagnação nem paga boletos.
De que adianta estar na Globo se sentindo infeliz, boicotado, com menos dinheiro no bolso do que gostaria e sem perspectiva de mudança?
Não é coincidência que a redação da emissora tenha tido casos de ansiedade, depressão e Síndrome de Burnout. Aliás, os transtornos mentais são cada vez mais comuns nas empresas de comunicação.
Enquanto uns saem da Globo calados, outros fazem questão de criticar a emissora. Demitida após retornar de uma licença médica por Burnout, Izabella Camargo se revoltou. “Foi um golpe, a coisa mais violenta que aconteceu na minha vida, pior que o assalto a mão armada que sofri.”
No canal, ela foi repórter, apresentadora do boletim meteorológico e apresentadora substituta em telejornais. Desdobrava-se à espera de uma grande oportunidade, como ser âncora fixa em alguma bancada. Saiu chorando. Chegou a conseguir na Justiça a readmissão, porém, não quis permanecer na empresa.
Outra ex-Globo que não esconde o descontentamento com a antiga casa é Veruska Donato. A repórter se demitiu no fim de 2021, após 21 anos na empresa. Comandou um quadro temporário sobre emprego no ‘Jornal Hoje’, mas não conseguiu emplacar nenhum dos projetos que apresentou à cúpula do jornalismo.
Abatida por uma depressão, preferiu dar adeus. Ao comentar o post de despedida de Michelle Barros, Veruska refletiu sobre a emissora. “Amiga, a Globo é uma escola, mas ela nos empurra pra fora... Você merece mais, muito mais. A Globo perde.”
Desde 2020, o canal promove uma renovação no jornalismo. Dispensou veteranos com 20, 30, 40 anos de casa, com altos salários. Renato Machado, Alberto Gaspar, José Raimundo, Francisco José, José Hamilton Ribeiro, Chico Pinheiro, Carlos Tramontina, entre outros.
‘Medalhão’ da reportagem e ex-correspondente internacional, Ari Peixoto se ressentiu. “Eu sabia que poderia acontecer... Mas pela história que eu tenho na emissora, esperava que as coisas pudessem acontecer de outra forma”, disse na Rádio Tupi. “Cheguei para trabalhar em um belo dia. O diretor me chamou e em 5 minutos eu estava demitido.”
Alvo desse mesmo movimento, a repórter Isabela Assumpção foi pega de surpresa. Ela se queixou do tratamento recebido. “Fui demitida depois de 41 anos de emissora. Demitida por telefone. Assim, sem mais. Foi duro, está sendo duro. Eu gostava do que fazia.”
Situação semelhante viveu o então apresentador do ‘Bem Estar’, Fernando Rocha, ao ser dispensado em 2019, depois de 30 anos com aquele desejado crachá no pescoço.
O comunicado da demissão durou pouco mais de 3 minutos. “Eu não podia fazer nada. Nem me foi dado a palavra”, relatou, meses depois, ao ‘Estadão’. “Só pude dizer: ‘Ok, muito obrigado’.”
Sim, a Globo perde – e os telespectadores, também.