Como explicar o prazer de cancelar famosos como a Giovanna da Casa de Vidro
Psicólogo Alexander Bez afirma que muitos canceladores são movidos por sentimentos negativos como frustração e inveja
Em ‘Paraíso’, a terceira e última parte de ‘A Divina Comédia’, Dante Alighieri reflete a respeito do hábito desrespeitoso de condenar apressadamente uma pessoa.
Uma adaptação livre do que o escritor italiano escreveu: ‘Quem é você que quer julgar, com a visão que só alcança um palmo, coisas que estão a milhares de quilômetros?’
Tal questionamento deve ser feito a quem pratica a cultura do cancelamento. Sem informações completas e de maneira impulsiva, a pessoa censura, julga e pune alguém supostamente errado.
Assistimos agora a uma situação já clássica: o cancelamento instantâneo de um participante do ‘Big Brother Brasil’ antes mesmo da estreia do programa.
No caso, o alvo é Giovanna Leão, confinada na Casa de Vidro na disputa por uma vaga no reality show que estreia na segunda-feira, dia 16.
Tuítes antigos foram compartilhados nas redes sociais e fizeram o tribunal da internet rotular a empresária como racista.
Poucas horas após surgir no espaço montado pela Globo em um shopping center no Rio, a paulista já estava cancelada e com chance reduzida na votação para entrar no programa.
Alguns usuários pesquisaram o contexto e dizem que Giovanna apenas postou xingamentos preconceituosos ditos a ela em um jogo on-line, para denunciar e ironizar seus desafetos.
Versões à parte, o cancelamento da candidata ao ‘BBB23’ ofuscou a graça de ver os quatro confinados na Casa de Vidro.
O que seria mero entretenimento virou um debate social e – surpresa! – suscitou polarização raivosa do público.
O Sala de TV conversou com o psicólogo Alexander Bez a respeito da origem mental do cancelamento.
Por que tanta gente sente prazer em cancelar alguém, como acontece em relação a participantes do ‘BBB’?
Reality shows estão na mesma esfera de sucesso das novelas das décadas de 1970 e 1980. No entanto, os realities apresentam uma perspectiva real, pois as cenas são verdadeiras. É justamente essa adoração que faz certas pessoas amarem o cancelamento de uma programação que já tem preferência estabelecida. Emocionalmente falando, quando as pessoas assistem a esse tipo de programa, o cérebro se encanta com as altas doses de dopamina produzidas constantemente ao ver e torcer pelos participantes. Entretanto, há também um prazer mental de cancelar, principalmente quando está associado a uma ação ou a pensamentos que não compactuam com o cancelador. Imprópria, a cultura do cancelamento envolve enormes traços de frustração, uma vez que o cancelador não aceita e não sabe conviver com pessoas que pensem e ajam diferente dele. Cancelar é praticar bullying virtual, pois há uma tela que supostamente protege o cancelador, escondendo a sua identidade. O prazer em assistir ao programa é ressaltado por um sadismo provocado por esse prazer em cancelar. Não se trata apenas de sadismo, e todo sadismo sem exceção é patológico, mas já se configura como sadismo obsessivo-compulsivo. Ao assistir a um reality que é praticamente uma maratona, o cérebro emite o padrão do cancelamento como uma fonte contínua de prazer sádico, evidenciando a patologia.
Querer a derrocada de alguém, famoso ou anônimo, sinaliza uma inveja excessiva que precisa ser tratada?
Os sentimentos que irão surtir dependerão daquele que torce contra aquela pessoa específica. Mas não há como descartar sentimentos negativos como inveja e frustração. Pode acontecer ainda uma contínua sensação de prazer. Quando o cérebro recebe uma descarga de dopamina em situações como essa, do cancelamento, o corpo tem a experiência de estar sob efeito de um entorpecente. A ação de cancelar está intimamente associada ao prazer que o cérebro recebe através da dopamina. É muito além de uma simples inveja, esse sentimento imutável que faz parte da configuração mental da pessoa, não havendo tratamento nem sequer cura.
Por que exigimos perfeição das pessoas e, ao mesmo tempo, sempre queremos ser perdoados por nossos erros?
A perfeição faz parte do processo da síndrome de inferioridade. A pessoa tenta recorrer a uma suposta superioridade, que é inexistente. Então, criticar o outro é mais fácil e confortável. Querer a remissão dos próprios erros está ligada a ter o reconhecimento do sucesso buscado, mostrando ou não uma suposta evolução.