Rejeitada na Globo, novela antirracista bomba em Portugal
‘Viver a Vida’ produziu trauma na protagonista Taís Araújo por conta do julgamento implacável de sua Helena imperfeita
Exibida no canal SIC, parceiro da Globo em Portugal, ‘Viver a Vida’ é um sucesso de audiência no período vespertino. Deixa a emissora à frente de programas ao vivo das concorrentes diretas TVI e RTP.
Em 2009, quando foi anunciada no Brasil, ‘Viver a Vida’ gerou enorme expectativa. A novela traria a primeira Helena negra de Manoel Carlos, autor famoso por criar icônicas personagens femininas. Se tornaria também a primeira protagonista preta da faixa das 21h da Globo.
Para o papel, a emissora escalou Taís Araújo, então com 30 anos. Ela já havia feito história ao estrelar ‘Da Cor do Pecado’, às 19h, cinco anos antes, no mesmo canal, e também ‘Xica da Silva’, na TV Manchete, em 1996.
O entusiasmo com ‘Viver a Vida’ durou pouco. A top model Helena foi logo rejeitada por boa parte do público. Duas questões explicam o fracasso. Uma delas, obviamente, tem a ver com o velho problema da discriminação racial no Brasil.
“Analisando agora, o Maneco teve um pensamento super de vanguarda naquele momento. Ele quis escrever uma personagem negra, rica, bem-sucedida, sem justificar o caminho dela. Simplesmente ela é. Só que naquele Brasil lá de trás, era muito esquisito”, explicou Taís Araújo em uma live no ano passado.
Outro aspecto determinante para a indiferença ou repulsa à protagonista de ‘Viver a Vida’ foi o aborto que Helena confessou ter feito ainda jovem para evitar que a gravidez indesejada atrapalhasse a carreira de modelo.
Ainda que demonstrasse sofrimento pela situação, ela irritou a parcela antiaborto dos telespectadores. Houve protestos. Era uma personagem polêmica demais para 2009, assim como continuaria a ser no Brasil radicalizado de 2021.
Manoel Carlos precisou diminuir o foco em Helena e dar mais espaço a outros personagens. A protagonista infeliz refletia a decepção da atriz que a interpretava. “Fiquei bastante frustrada”, admitiu Taís. “Me deixou emocionalmente desestruturada.”
Apesar dos percalços, o novelista foi elogiado por sua iniciativa de criar uma protagonista negra e desafiar o racismo brasileiro. Ele ganhou um prêmio especial do Troféu Raça Negra. ‘Viver a Vida’ marcou média geral de 36 pontos no Ibope, abaixo do esperado na época. Hoje, com esse índice, seria um sucesso.