Rememorar o drama da Aids é um acerto de Os Dias Eram Assim
A doença é pouco discutida na TV enquanto cresce o número de jovens contaminados
A supersérie ‘Os Dias Eram Assim’ é exitosa no Ibope, com média de 21 pontos nos 73 capítulos exibidos desde abril, ainda que não seja um sucesso de repercussão.
No chamado ‘boca a boca’, quase não se comenta a respeito da trama densa e tensa protagonizada por Alice (Sophie Charlotte), Renato (Renato Góes) e Vitor (Daniel de Oliveira).
As muitas voltas em torno do triângulo amoroso, sem que nada novo aconteça, deixou a produção repetitiva e sem gerar expectativa. O formato de minissérie seria mais adequado para valorizar o produto.
Mas no capítulo de segunda-feira (21), a introdução de novo tema injetou dose de energia ao enredo: a jovem Nanda (Julia Dalavia) recebeu com desespero o diagnóstico de que é portadora do vírus HIV.
Àquela altura, início dos anos 1980, ter Aids era uma irreversível sentença de morte. Cientistas e médicos estavam atônitos com o avanço rápido da doença recém-descoberta e sem perspectiva de controle e cura.
O medo, a desinformação e o preconceito envolviam quem carregava a síndrome. As novas gerações não têm ideia do estigma imposto aos ‘aidéticos’ (termo pejorativo que, felizmente, deixou de ser usado).
O episódio de ‘Os Dias Eram Assim’ exibiu trechos de reportagens reais daquele período: os jornalistas Leilane Neubarth e Caco Barcellos apareceram dando explicações a respeito da doença.
A supersérie presta um relevante serviço à teledramaturgia e à sociedade ao introduzir a Aids na trama. O Brasil vive um momento preocupante, com aumento do número de infectados, principalmente entre os jovens.
De acordo com o Ministério da Saúde, a taxa de pessoas com o HIV entre 15 e 19 anos subiu 187% de 2006 a 2015. Na faixa de 20 a 24 anos, o aumento foi de 108%. E de 21% entre os que estão entre 25 e 29 anos.
A maioria desses novos portadores do HIV nasceu após a morte de Cazuza, o primeiro artista brasileiro que desenvolveu Aids a se expor abertamente na mídia – dos primeiros sinais físicos até o falecimento, aos 32 anos, em julho de 1990.
Cito-o como exemplo para ressaltar que essa geração não testemunhou o horror – e não é exagero usar essa palavra – sofrido pelas vítimas da doença daquela fase anterior ao surgimento dos coquetéis.
A aparência frágil dos doentes chocava. Doenças associadas ao vírus, como os sarcomas (tumores), provocavam sofrimento e isolamento aos pacientes, e serviam como uma propaganda terrível da necessária prevenção.
Com a eficácia dos tratamentos, aquelas imagens assustadoras de pessoas magérrimas à beira da morte tornaram-se raras.
Resultado: deixou-se de ter tanto medo da Aids, como se fosse apenas mais uma doença crônica controlada com medicação.
Contudo, a realidade dos portadores não é uma novela. Na vida real, os remédios provocam efeitos colaterais, acontecem frequentes casos de discriminação e há o risco de a saúde deteriorar.
Por isso, quando uma atração exibida em horário nobre como ‘Os Dias Eram Assim’ nos faz lembrar o lado dramático da Aids, dá a oportunidade de a sociedade ampliar a discussão imprescindível sobre como evitar a contaminação.
Lamentavelmente, a TV – tão influente em milhões de lares brasileiros – oferece pouco espaço para um assunto tão importante chegar até o telespectador.
Cabe às emissoras repensar essa omissão. Afinal, a Aids é um assunto que precisa ser conversado na sala de estar das famílias.
(‘Os Dias Eram Assim’ é escrita por Ângela Chaves e Alessandra Poggi, com colaboração de Guilherme Vasconcelos e Mariana Torres. Carlos Araújo e Gustavo Fernandez assinam a direção geral. A supersérie da Globo vai ao ar às segundas, terças, quintas e sextas.)