Silvio Santos acerta ao sair de cena e acelerar passagem de poder às herdeiras
Apresentador preserva a saúde e a imagem ao priorizar a vida tranquila fora dos estúdios da TV
Saber a hora de parar é uma virtude dos sábios. No mundo da fama, isso acontece raramente. “Os artistas não sabem sair de cena quando é tempo”, lamentou o pianista polonês-americano Artur Rubinstein. A maioria acaba tristemente expulsa do foco dos holofotes pela decadência.
Silvio Santos, felizmente, está do lado certo. O apresentador e dono do SBT abriu mão, ainda que não definitivamente, da exposição na TV e na mídia. Está há 1 ano sem comandar seu programa aos domingos. Supervisiona a programação do canal à distância.
O mais popular animador de auditório da televisão completará 93 anos em 12 de dezembro. O sumiço do vídeo gerou boatos de depressão e problema de memória. A família nega. Afirma que ele está bem de saúde. O afastamento foi espontâneo.
Vídeos e fotos em redes sociais das filhas mostram Silvio Santos sempre atento e sorridente. De pijama ou traje casual, parece aproveitar a calmaria da fase de reclusão. Até a ida ao salão do amigo Jassa se tornou menos frequente. O cabeleireiro tem ido à casa do cliente mais famoso para cortar e tingir os cabelos.
Mas Silvio, apesar da vaidade, não está preso à própria imagem. Prova disso são as fotos com fãs nos Estados Unidos, onde passava longas temporadas antes da pandemia. O apresentador não tinha problema algum em posar com a cara lavada, os fios brancos e despenteados, sem dentadura. O que nunca faltou foi a simpatia de sempre.
Pode-se não gostar de seu estilo, considerá-lo inadequado por ser politicamente incorreto, contestar seu posicionamento político, porém, impossível não reconhecer o talento, o carisma e a valiosa contribuição à comunicação brasileira.
Silvio sempre levou o povão à TV, criou uma linguagem compreendida por todas as camadas sociais, ousou ao dar espaço a travestis e transformistas em concursos na década de 1980, ajudou o cidadão com renda baixa a realizar pequenos sonhos de consumo com o Carnê do Baú, criou um prêmio relevante (o Troféu Imprensa) que reconhecia obras e artistas de emissoras concorrentes...
Sim, ele se tornou um tanto anacrônico, assim como a maioria das pessoas das primeiras gerações do Século 20. Há de se considerar a dificuldade de compreender e se adequar à velocidade das mudanças na sociedade. Não se trata de ‘passar pano’ para eventuais comentários machistas, racistas e LGBTfóbicos, apenas uma necessária contextualização para não fazer um julgamento açodado e reduzir uma trajetória brilhante a alguns erros. Sejamos menos arrogantes, ninguém é perfeito.
Criador e criatura, Senor Abravanel e Silvio Santos nos ofereceram algumas lições. Entre elas, a possibilidade de criar um império a partir de uma banca de camelô. Ok, é para poucos, entretanto, o exemplo serve como inspiração. Talvez o maior ensinamento dele seja sempre rir de si mesmo. Como é saudável não se levar tão a sério e encarar a vida com alguma leveza... A saúde mental agradece.
Ao optar pela autopreservação longe do SBT e acelerar a passagem de bastão nos negócios para as filhas, Silvio Santos dá mais uma amostra de desprendimento e sapiência. A vida é muito mais do que fama e dinheiro, status e poder. Às vezes, o maior prazer está em ficar jogado no sofá de casa, de pijama, gargalhando ("Ha hai, hi hi...") com alguma bobagem exibida na TV.