Taís Araújo estreia como a primeira protagonista negra de Manoel Carlos
- Mariana Trigo
Taís Araújo mal tem conseguido ficar de boca fechada. Em todos os sentidos. Quando não está abrindo um sorriso generoso, fala como uma matraca esmiuçando os detalhes mais triviais da Helena, personagem que promete ser uma das mais notáveis de sua carreira. Ou fica literalmente de queixo caído ao observar a infinidade de cenas que tem de gravar com um orgulho indisfarçável.
Mas, para conseguir entrar para o rol das Helenas de Manoel Carlos como protagonista de Viver a Vida, da Globo, a atriz carioca, que está prestes a completar 31 anos, teve de descer do salto. Quando soube dos testes para o papel, logo pegou o telefone e ligou para o autor e para o diretor da trama, Jayme Monjardim.
Afinal, um dia leu em algum jornal que Maneco gostaria de trabalhar com ela. O evidente interesse da atriz parece ter aguçado ainda mais o autor para fazer de Taís a primeira Helena negra de suas histórias. Para Taís, no entanto, esse sabor é ainda mais degustável. Ela estreou na tevê como protagonista quando interpretou a valente Xica da Silva na trama homônima da Manchete, em 1996.
Quase uma década depois, protagonizou Da Cor do Pecado, de João Emanuel Carneiro. "Fiz tudo para conseguir ser essa Helena. Voltei correndo de Paris, onde estava morando, mudei minha vida, estudei muito, emagreci horrores, hoje chego a fazer ginástica às 6 horas da manhã. Mas vale a pena", constata, com os olhos quase fechados pelo sorriso.
Quando você soube que o Manoel Carlos estaria procurando a intérprete da Helena, você logo se colocou à disposição para testes. Como foi esse processo?
Para mim, ainda não caiu a ficha que consegui esse papel. Fiquei enlouquecida quando passei no teste, felicíssima, não esperava que ele iria me querer como Helena. Ouvi uns boatos na imprensa e estava esperando para saber se era verdade mesmo que ele havia se decidido por mim. Estava morando em Paris na época e, antes de viajar, liguei para o Maneco e para o Jayme (Monjardim, diretor datrama) e avisei que estava à disposição deles. No dia que vim passar um fim de semana no Rio, Maneco, sem saber, me ligou e disse: "Você está nessa cidade feia, nessa cidade fria?". Respondi: "Não, estou no Rio". Ele me chamou para ir no mesmo dia para o Projac. Fui correndo. Foi quando eles me convidaram oficialmente. Voltei para Paris, fechei o apartamento, devolvi a chave. Estava engajada nesse projeto de ficar em Paris estudando, mas nem titubeei.
Quase todas as Helenas do Maneco são mulheres mais velhas, experientes. Essa é uma das mais jovens dessa galeria. Isso assusta?
A idade pesa muito. Muda tudo ela ser uma menina de 30 anos e não uma mulher experiente, como as outras. Tem todas as dificuldades nessa composição, uma certa irresponsabilidade que eu preciso passar, apesar de ela ser bem madura. Uma mulher de 30 anos ainda não é muito vivida, descobre muitas coisas, vai errando, falhando, aprendendo com a vida. Mas é tão humana e apaixonada quanto as outras. Vivo esse momento com ela por ter a mesma faixa etária. Para mim, a crise dos 30 não chegou nem perto, mas me sinto segura porque tive tempo para me preparar para ela.
Como foi sua preparação a novela?
Primeiro tive de emagrecer muito, mas não faço nem ideia de quantos quilos perdi porque não me peso. Simplesmente ia colocando as calças e elas ficavam mais largas e eu mais feliz. Fiz uma preparação de dois meses com uma "coach". Ficava três vezes por semana passando textos com ela durante duas horas. Pegava os textos que a gente já tinha da personagem e criava histórias, subtextos para a Helena. Isso foi muito importante porque, em novela, raramente temos tempo para uma preparação. E nessa novela tive tempo para começar o trabalho um pouco mais segura. Sabia onde estava pisando. Claro que a gente vai refinando durante as gravações.
Já que a personagem é uma top model bem-sucedida, você buscou referências nesse universo?
Quando pensei na carreira da Helena, percebi imediatamente que não dava para me inspirar na (top model internacional) Naomi Campbell. A mulher tem quase dois metros de altura. Eu só tenho 1,60 m. Por isso, me baseei na Kate Moss, que é uma superprofissional e reconhecida modelo, apesar de ser baixinha. Mas ela tem atitude na passarela, nas fotos, chegou a ser a segunda top mais bem paga do mundo e ainda hoje trabalha com o sucesso que teve na década de 90. Ela é a única desta época que ainda continua fazendo campanhas importantes.
Mas você começou a carreira trabalhando como modelo, já estava ambientada nesse universo...
Muito. Estreei com 15 anos na moda. Tenho muitos amigos ligados à essa profissão. Esses dias, uns amigos me prenderam em São Paulo para me fazer assistir ao filme Top 25 - Um Conto de Fadas Brasileiro (do diretor Richard Luiz). O documentário é ótimo, mostra a Gisele Bündchen, Ana Claudia Michels, todas as tops brasileiras de sucesso e as meninas que estão começando. Mostra o dia a dia delas, que levantam cedo, pegam ônibus. Esse filme foi o que me realmente me mostrou o cotidiano das modelos. Sabia o que era, mas estava distante há anos. Continua tudo igual, a mesma concorrência...
E como vai ser a concorrência entre Helena com a modelo Luciana, da Alinne Moraes, filha do namorado da Helena, o Marcos, do José Mayer?
A Luciana implica com a Helena, que é mais velha. A Helena tem uma atitude madura, tira o corpo para ela passar. Até que elas vão acabar se entendendo em algum momento. Mas contracenar com o Zé tem sido o mais surpreendente.
Por quê?
Ele tem muito mais energia que eu. Quer fazer todas as cenas correndo, pulando. Falo: "Zé, por favor, vamos devagar!". Em Paris, ele corria, subia nas coisas, rodava, cantava I'm singing in the rain. Não dava para alcançar. Ele é delicioso. Além de ser muito generoso, embarca na brincadeira da equipe. O Zé é unânime entre as mulheres. Desde a professora de ginástica da minha academia até minha avó estão suspirando porque vou contracenar com ele (risos).
Você também vai contracenar com um grande elenco negro na trama, que faz parte da sua família. Você está em sua terceira protagonista, depois de Xica da Silva e Da Cor do Pecado. Como você lida em ser a primeira Helena negra?
Colocar uma protagonista negra no horário nobre da maior emissora do país é o fato que mais retrata o que está acontecendo hoje no Brasil e no mundo. As pessoas estão mais abertas, com menos preconceito. Não tenho do que reclamar. É engraçado. Todo mundo fala da Xica da Silva, do fato de uma negra apresentar um programa como o Superbonita (do GNT, da Globosat). Mas, entre Xica e Da Cor do Pecado, passaram-se anos. Fiquei muito tempo fazendo personagens secundários, que foram fundamentais para a minha construção. Alguns foram sofridos, como a própria Xica, em que eu tinha apenas 17 anos. Mas foram fundamentais para a minha trajetória. Comecei verde, crua como atriz em Xica. Depois daquilo, comecei a estudar, crescer. Mas levou nove anos até eu protagonizar Da Cor do Pecado. Foi um caminho de construção.
Aprendiz de sílfide
Apesar de apresentar um programa sobre beleza, Taís Araújo sempre foi avessa a praticar exercícios físicos em prol da boa forma. Mesmo divulgando e entrevistando diversas pessoas ligadas a tratamentos estéticos e novas tecnologias para o corpo no Superbonita, no GNT, a atriz e apresentadora nunca deu bola para cuidados mais elaborados com a forma. Até passar no teste para interpretar a top model Helena, em Viver a Vida.
Assim que soube da aprovação, correu para se matricular numa academia e passou a fazer diversas tratamentos ditos como "milagrosos". "Fiz uma operação de guerra.
Procurei utilizar todos os aparelhos de drenagem, de sucção de gordura, aparelho da NASA para perder peso, tudo!", assume.
Mas o pior mesmo, segundo Taís, foi ter de fechar radicalmente a boca. Tanto que há meses a atriz não come mais carboidratos à noite e passou a contar com a ajuda de um endocrinologista, que ajuda a controlar seu apetite. "Detesto malhar e parar de comer. Odeio tudo isso, mas não tenho saída", conforma-se Taís, que não vê a hora de voltar a assumir seu posto de apresentadora do Superbonita. "Deu uma dor gigantesca ter de largar aquele osso. Queria conciliar com a novela, mas disseram que eu era louca e que teria uma estafa", lamenta.
Quase esnobe
O carisma de Taís Araújo e a boa fotogenia da atriz já renderam uma coleção de personagens glamourosos. Desde sua estreia em Xica da Silva, passando por mocinhas frágeis ou mesmo vilãs rebeldes, a atriz sempre conseguiu imprimir personalidade nos papéis que apareceram em sua trajetória.
Um dos exemplos mais recentes foi a sedutora Ellen de Cobras & Lagartos, de João Emanuel Carneiro. Ou mesmo a inconsequente Alicinha de A Favorita, onde repetiu sua dobradinha com o autor. "Também amo o meu trabalho como a Elza Soares no cinema. O problema é que não suporto me assistir. Sempre acho minhas cenas mais ou menos", observa.
Trajetória Televisiva
# Tocaia Grande (Manchete, 1995) - Bernarda
# Xica da Silva (Manchete, 1996) - Xica
# Anjo Mau (Globo, 1997) - Vivian
# Meu Bem-Querer (Globo, 1998) - Edivânia
# Uga Uga (Globo, 2000) - Emilinha
# Porto dos Milagres (Globo, 2001) - Selminha
# Da Cor do Pecado (Globo, 2004) - Preta
# América (Globo, 2005) - Nossa Senhora Aparecida
# Cobras & Lagartos (Globo, 2006) - Ellen
# A Favorita (Globo, 2008) - Alicinha
# Viver a Vida (Globo, 2009) - Helena