Zé Carioca, 80 anos: personagem de Disney dividiu opiniões sobre representação brasileira
Personagem brasileiro criado por Walt Disney apareceu pela primeira vez no filme Alô Amigos, que estreou em 24 de agosto de 1942
Zé Carioca, o personagem brasileiro criado por Walt Disney, completa 80 anos nesta quarta-feira, 24. Isso porque apareceu pela primeira vez no filme Alô Amigos, que estreou em 24 de agosto de 1942. Depois da estreia, também foi visto nos filmes Você Já Foi À Bahia (1944) e Tempo de Melodia (1948), mas foi no mundo dos quadrinhos que o personagem se consolidou.
Fã de futebol, samba e feijoada, também trazia alguns estereótipos negativos do Brasil, como o fato de ser malandro, preguiçoso e viver fugindo dos cobradores. Ao longo dos anos, é claro, ele não ficou restrito apenas à convivência com os amigos Pato Donald, dos Estados Unidos, e Panchito, do México. Surgiram outros personagens no universo de Zé Carioca, que se passa em um morro na fictícia Vila Xurupita como seus amigos, Nestor e Afonsinho, Rosinha, sua namorada, Rocha Vaz, seu rico e severo sogro, e seu rival Zé Galo, todos pássaros e cariocas como ele. Apenas seu amigo Pedrão é desenhado como mamífero.
Na seção "Cartas da América", escrita por Sergio Milliet em 27 de abril de 1943 e publicada nas páginas do Estadão, constava, sobre a repercussão do personagem nos Estados Unidos:
"O Brasil está realmente na ordem do dia. Até nos 'comics' [histórias em quadrinhos] entrou. Não se ofusquem os patriotas pois a coisa não tem nada de pejorativo. De tudo o que se lê aqui nos jornais, é a parte dos 'comics' a de maior interesse para o povo. Os jornais lutam pela exclusividade das historietas sérias ou divertidas a que se dá o nome geral de 'comics'.
E há periódicos (é o caso do
Sunday News de Chicago) que desbancaram velhos e tradicionais concorrentes graças a uma melhor linha de 'comics'.
Pois o Brasil, na pessoa de José Carioca, o papagaio de Walt Disney, acaba de entrar para os 'comics'. Nada será mais eficiente como propaganda, tanto mais quanto Zé Carioca é extremamente simpático, falante, gesticulante, bem vestido, quase janota, o papagaio tem um papel de sujeito esperto, alegre, que gosta das louras sem rejeitar as morenas.
Num inglês de sotaque bastante carregado, Zé Carioca mete-se em encrencas complicadíssimas de que se sai sempre garbosamente. Ele representa com grande fidelidade nossa malícia nacional, que nos enche de vaidade e nos leva muitas vezes a considerar-nos o povo mais inteligente do mundo. Pequeno, bem pequeno pecado, em suma, numa época em que qualquer ariano arrota supremacia racial a torto e a direito..."
Uma visão mais crítica pode ser encontrada no artigo "A Falsa Representação da Identidade Brasileira na Construção do Personagem Zé Carioca da Disney", escrito por Sérgio Massagli, doutor em estudos literários e professor de Letras na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), e publicado na revista científica Literartes em 2018.
Segundo ele, a composição do personagem "trata-se de um símbolo que não dá conta dos níveis mais complexos de nossa heterogeneidade étnico-cultural que o compõem historicamente". O autor também critica o fato de, no cinema, Zé Carioca cantar Aquarela do Brasil, um samba-exaltação ao País que fez sucesso durante a ditadura de Getúlio Vargas, por musicalmente se tratar do perfil oposto ao representado pelo personagem.
Os 80 anos de Zé Carioca
Goste-se ou não do que Zé Carioca representa, o fato é que seus quadrinhos fizeram sucesso ao longo das décadas, marcando diferentes gerações de jovens leitores.
Em homenagem aos 80 anos de Zé Carioca, a Disney anunciou o lançamento de uma música composta por Leandro Lehart e interpretada por Xande de Pilares para o mês de setembro, além do lançamento de produtos comemorativos do personagem e filtros e stickers em redes sociais.
Destaca-se também o livro O Essencial do Zé Carioca: Celebrando os 80 Anos de Sua Estreia, já disponível, e Zé Carioca Conta a História do Brasil, de Eduardo Bueno, que será lançado em outubro. Atualmente, no Brasil, os quadrinhos do personagem são publicados pela Editora Culturama.