Entenda a crise da Grécia e sua consequência em 8 perguntas
Votação no domingo deve apontar se país continua ou deixa a zona do euro
Neste domingo, os gregos votam em um plebiscito visto por muitos como um capítulo-chave para o futuro do país, do euro e até da União Europeia.
Mas a votação de domingo é exatamente sobre o quê? E por que esta votação é tão importante para o resto do continente? E, talvez, o mais importante: como a Grécia chegou a este ponto?
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Veja abaixo oito pontos fundamentais para responder entender esta e outras questões da crise grega.
1. Qual é a causa da crise grega?
Na raiz da crise grega está uma dívida de aproximadamente 320 bilhões de euros (mais de R$ 1 trilhão), que o país simplesmente não tem condições de pagar.
A explicação mais simples para esta crise é que, durante muitos anos, o país gastou bem mais do que arrecadava, e financiava os gastos através de empréstimos.
A Grécia já fazia isso antes de adotar o euro. E o governo continuou gastando mais do que podia, mesmo após a chegada do euro, em 2001.
O gasto público, por exemplo, aumentou cerca de 50% entre 1999 e 2007, muito mais do que em outros países da zona do euro.
E, somado aos problemas de corrupção e evasão fiscal, esse gasto provocou um deficit muito acima de 3% do PIB, limite imposto a todos os países da zona do euro.
Empréstimos que não foram declarados para a zona do euro também fizeram com que a dívida do país ultrapassasse significativamente os 60% do PIB estabelecidos como limite de dívida para os países da zona do euro.
Mas o problema só ganhou contornos graves quando a crise financeira global limitou o acesso do país ao crédito, o que motivou a intervenção de outros países da zona do euro, que temiam o impacto da suspensão dos pagamentos ou default.
Para muitos economistas, essa intervenção, ou seja, novo empréstimos concedidos sob a condição de que o país impusesse várias medidas de austeridade, acabaram piorando ainda mais a situação da Grécia.
2. O que está sendo feito para a Grécia sair da crise?
O primeiro pacote de ajuda financeira à Grécia foi aprovado pela União Europeia e o FMI em maio de 2010.
Naquele momento, o governo grego recebeu 110 bilhões de euros (cerca de R$ 380 bilhões) para honrar seus compromissos com os credores que, naquele momento, em sua maioria, eram bancos privados europeus.
Logo ficou claro que esta quantia não seria suficiente e um segundo resgate elevou a cifra total para 240 bilhões de euros (R$ 832 bilhões).
E, nos dois casos, como condição para facilitar a liberação do dinheiro, o país teria que implementar uma série de medidas de austeridade.
Entre estas, estavam drásticos cortes nos gastos públicos, aumento de impostos e reforma no sistema de previdência e no mercado de trabalho.
Mas o atual governo grego, que chegou ao poder no começo do ano com uma plataforma contra a austeridade, vem tentando renegociar algumas destas condições para conseguir um novo pacote de resgate estimado em mais 29,1 bilhões de euros.
3. Qual foi o impacto das medidas contra a crise? Elas funcionaram?
Para saber se as medidas associadas ao resgate financeiro funcionaram, primeiro é preciso lembrar os seus principais objetivos.
Se o objetivo era proteger o euro, então as medidas parecem estar funcionando, pelo menos por enquanto.
Efetivamente, os empréstimos coordenados pelo FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu ajudaram a reduzir o impacto da crise grega sobre a moeda do bloco.
Mas economistas como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, ganhadores do prêmio Nobel de economia em 2008 e 2001, respectivamente, afirmam que as medidas não fizeram nada para melhorar a situação ou as perspectivas da Grécia.
A estimativa é que a economia do país tenha encolhido em 25% desde o início dos programas de austeridade, o que acentuou sua dependência de créditos externos.
O impacto das medidas foi brutal para o povo grego: a taxa de desemprego está em 26%, a mais alta de toda a União Europeia. Entre os jovens, esta taxa supera os 60%.
Milhões de gregos vivem abaixo da linha da pobreza.
Esta situação acabou levando o Syriza ao poder, o partido de esquerda que melhor soube reconhecer a insatisfação gerada pelas medidas de austeridade.
E as tentativas do governo atual de renegociar as condições de pagamento da dívida acabaram levando a crise ao seu momento mais delicado.
Ou, pelo menos, a um momento de definição que poderia ter consequências importantes para o futuro da moeda comum.
4. Qual é a situação atual?
O cenário mais temido no começo da crise, o calote, começou a se tornar realidade na noite de terça-feira, quando a Grécia não conseguiu pagar 1,5 bilhão de euros ao FMI.
A Grécia se transformou no primeiro país desenvolvido a não pagar o FMI e seu calote é o maior da história da instituição, apesar de não ter sido declarado tecnicamente como tal.
Naquela terça-feira, também venceu o último programa de ajuda financeira, assim que o governo grego declarou que não aceitava a última série de condições impostas pelas instituições internacionais, pois via estas como "humilhantes".
O governo de Alexis Tsipras já tinha anunciado antes que deixaria a decisão final sobre a aceitação ou não das medidas impostas pelos credores para novos empréstimos nas mãos dos cidadãos gregos e, por isso, convocou um plebiscito.
De acordo com as últimas pesquisas de opinião, a maior parte dos gregos estão inclinados a rejeitar as medidas de austeridade.
Mas a vantagem do "não", favorecida por Tsipras, tem diminuído depois que o governo grego fechou os bancos por uma semana e limitou a retirada de dinheiro dos bancos do país.
O governo grego diz que está aberto a acordos de última hora. Mas, até o momento, suas contrapropostas foram consideradas insuficientes.
E a chanceler alemã, Angela Merkel, já disse que vai esperar o resultado do referendo antes de pensar em retomar a negociação com a Grécia.
5. Quais os pontos mais polêmicos?
Em sua última contraproposta, o governo grego aparentemente teria aceitado a maior parte das exigências do FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu.
Mas ele pediu um tempo maior para implementar a reforma do sistema de Previdência, uma das principais exigências de seus credores. O governo grego também resiste em implementar a cobrança, em várias de suas ilhas mais turísticas, do IVA, uma espécie de imposto sobre circulação de mercadorias.
Os líderes da zona do euro, no entanto, não se mostraram dispostos a abrir novas negociações.
Para muitos, as principais diferenças agora não são mais técnicas, mas políticas; alguns analistas acham que os principais líderes da zona do euro podem estar querendo derrubar o governo de Tsipras para evitar que sua postura antiausteridade contamine outros países da região.
6. E então, os gregos decidirão sobre o quê?
A pergunta do plebiscito é muito específica e foi redigida em uma linguagem muito técnica. Não é muito fácil entender.
O texto que se lê na cédula do referendo: "Deve ser aceito o acordo proposto, que foi apresentado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional no Eurogrupo de 25.06.2015 e consiste de duas partes, que constituem sua proposta unificada?".
E aí o eleitor pode votar sim ou não.
Os pontos centrais da proposta são uma ampliação da base do imposto IVA e uma redução drástica no número de pessoas que podem optar por uma aposentadoria antecipada.
E os credores também exigem mais ações para reduzir a evasão fiscal e acabar com a corrupção.
O governo grego afirma que as exigências específicas da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI além de serem pouco eficazes também são humilhantes e, por isso, inaceitáveis.
E, para o governo grego, a questão é muito mais simples: os gregos devem continuar padecendo por causa de mais medidas de austeridade ou não?
Esta decisão poderia determinar a continuidade do governo de Tsipras. Ele já disse que, em caso da vitória do "sim", respeitará a decisão do público mas não ficará no governo para implementar a proposta do Eurogrupo.
Outros líderes europeus, começando por Merkel, afirmam que a pergunta do referendo é outra.
Eles dizem que o que os gregos vão decidir no domingo é se querem que seu país continue zona do euro ou não.
7. É inevitável a saída da Grécia da zona do euro no caso de vitória do "não"?
A verdade é que ninguém sabe ao certo.
Não existe nenhum precedente e até o vice-presidente do Banco Central Europeu, Vitor Constancio, disse em abril que não havia nenhuma lei que determina a expulsão da zona do euro em caso de calote.
O governo grego insiste que não está tentando abandonar a moeda e até insinuou que poderia iniciar processos legais caso os outros países da zona do euro tentem expulsar a Grécia do grupo.
Os principais líderes europeus já falaram claramente: a votação de domingo é sobre se a Grécia deve ou não conservar o euro.
E se não existe vontade política de manter a Grécia na zona do euro, importa pouco o que dizem as leis e regulamentos da União Europeia.
Se o Banco Central Europeu decidir bloquear completamente o crédito para Atenas, as autoridades gregas não teriam mais opção a não ser começar a imprimir sua própria moeda para tentar manter a economia funcionando.
8. Quais seriam as consequências de uma saída da Grécia do euro?
É difícil prever o comportamento dos mercados nesse caso.
Uma possibilidade é que investidores comecem a exigir juros mais interessantes para compensar os riscos de comprar títulos de dívidas das economias mais fragilizadas da zona do euro.
Isto afetaria de forma negativa a moeda europeia e aumentaria a instabilidade em países com peso maior na economia global.
E uma Grécia inadimplente implicaria em grandes perdas financeiras para vários países europeus.
Além disso, também há o risco de um contágio político.
Efetivamente, se a saída da zona do euro se mostra como opção viável, até trazendo benefícios para a Grécia, outros países poderiam seguir o exemplo.
E isto poderia colocar a própria União Europeia em risco, pois o bloco colocou a moeda comum no centro de seu projeto de integração.
A saída do euro poderia também forçar a saída da Grécia da União Europeia.
Mas, como acontece com muitos outros possíveis cenários, tudo vai depender da vontade política e criatividade dos líderes europeus.