A cidade que pertence a um país, mas fica dentro de outro
Cercado pela Suíça, o pequeno vilarejo alemão de Büsingen am Hochrhein tem uma existência binacional há séculos.
Em 1º de agosto, dia nacional da Suíça, os turistas estavam em polvorosa. Jangadas e canoas cruzavam o rio Reno.
Banhistas pegavam sol nas margens, enquanto, nas ruas quase vazias, um ônibus público passava decorado para as festividades com a familiar bandeira do país.
É uma cena de férias perfeita, exceto por um detalhe: aquela festa do aniversário da Confederação Suíça estava ocorrendo na Alemanha.
"Nosso espírito e coração são suíços", explica Roland Güntert, vice-prefeito da cidade de Büsingen am Hochrhein, um pequeno vilarejo alemão que é inteiramente cercado pela Suíça.
Isso o torna ao mesmo tempo um enclave e exclave, uma curiosidade para o deleite de fãs de esquisitices geográficas, mas que pode soar confuso para outras pessoas.
Um enclave é um território ou parte de um território completamente cercado por outro Estado — um exemplo é a pequena nação do Lesoto, cercada pela África do Sul. Já um exclave é uma parte de um país que fica separada do restante do território. Büsingen cumpre os requisitos de ambas as definições.
A fronteira leste do vilarejo fica a meros 700 metros do restante da Alemanha. E, embora politicamente essa cidade de 1.450 habitantes pertença à Alemanha, economicamente faz parte da Suíça e também opera fora da União Europeia.
Güntert diz, no fundo, que o arranjo de Büsingen é bem simples. "Temos leis alemãs e governo alemão, mas uma economia suíça."
Moradores do vilarejo levam uma vida binacional
Em nenhum lugar a divisão é mais evidente do que no restaurante Waldheim. Uma linha pintada no terraço de jantar ao ar livre marca a fronteira internacional.
É possível receber um prato de schnitzel na Suíça e, em seguida, entrar na Alemanha para pegar uma caneca de cerveja do outro lado da mesa.
Ainda assim, para os residentes, ter uma vida binacional inclui contradições e escolhas diárias. Embora o comércio seja normalmente realizado em francos suíços e a maioria dos residentes trabalhe em cidades suíças próximas, eles ainda precisam pagar o imposto de renda da Alemanha — mais alto.
As crianças frequentam uma escola primária local alemã, mas os pais decidem em qual país seus filhos vão frequentar o ensino médio.
Os habitantes de Büsingen têm códigos postais alemães e suíços. Também é possível usar os códigos +49 da Alemanha ou +41 da Suíça para ligar para quem more ali. E o clube de futebol da cidade é o único time alemão autorizado a jogar na liga suíça.
Sarah Biernat vive a 30 minutos dali, em Singen, na Alemanha, e atravessa várias fronteiras internacionais em seu trajeto diário para Büsingen.
Ela não sabia nada sobre a cidade há 11 anos, quando conseguiu um emprego no hotel Alte Rheinmühle, em Büsingen. Em seu primeiro dia de trabalho, teve de dar o troco para um cliente em francos suíços.
"Foi como usar dinheiro de brincadeira para mim", diz ela.
Mesmo uma década depois, a cidade ainda parece ser suíça para ela. "As pessoas soam como suíças. Elas falam alemão de uma forma diferente", afirma Biernat.
Disputa familiar na raiz da situação
Há uma história curiosa por trás dessa "crise de identidade territorial".
Para Büsingen, o problema começou em 1693, muito antes de a Alemanha existir. O vilarejo estava sob controle austríaco quando uma briga de família por lealdade religiosa levou ao sequestro do senhor feudal de Büsingen, que era católico.
Seus primos o levaram para a cidade suíça (e protestante) de Schaffhausen, onde ele foi condenado à prisão perpétua. Foram necessários seis anos e a ameaça da Áustria invadir Schaffhausen para que ele fosse finalmente libertado.
Algumas décadas depois, quando a Áustria vendeu suas propriedades locais ao cantão suíço de Zurique, ela manteve Büsingen — puramente por despeito, segundo historiadores. "Eles disseram que ela nunca pertenceria à Suíça", diz o vice-prefeito.
Isso fez com que, quando partes do Império Austríaco foram absorvidas pela Alemanha no século 19, Büsingen passasse a fazer parte da nova República.
Os suíços tentaram resolver a bagunça em 1919, quando 96% dos residentes de Büsingen votaram para deixar de fazer parte da Alemanha. Mas Berlim não quis desistir da cidade, porque a Suíça não ofereceu nada em troca.
Mesmo em meio ao caos da Segunda Guerra Mundial, o arranjo permaneceu. Antes que os soldados alemães pudessem voltar para casa em Büsingen, eles precisavam registrar suas armas na fronteira e encobrir seu uniforme militar com uma capa, disse Güntert, cujos parentes serviam no Exército alemão.
Após a guerra, a divisão se manteve, transformando simples idas às compras diárias em um exercício de comércio internacional.
"Era complicado", diz Elizabeth Arpke, que cresceu na região e estava visitando Büsingen para o feriado. "Quando você comprava carne na Alemanha, tinha de atravessar a fronteira [para a Suíça] e preencher formulários."
Finalmente, em 1967, Alemanha e Suíça concordaram em adicionar Büsingen à área aduaneira da Suíça, o que removeu os controles de fronteira e os postos em torno da vila de menos de 8 km².
Impostos, salário e aluguel
Hoje, o problema são os impostos. Como o custo de vida é mais alto na Suíça do que na Alemanha, os residentes de Büsingen geralmente recebem salários maiores do que seus compatriotas.
Mas como a Alemanha tem uma carga tributária mais alta, os trabalhadores acabam pagando mais do que seus vizinhos suíços.
Por outro lado, a taxista Caroline Major estima que seu aluguel seja 50% menor em Büsingen do que se morasse a alguns quilômetros de distância, na Suíça.
Ela se mudou da cidade alemã de Friedberg há dois anos e não poderia estar mais feliz. "Amo minha vida. Há boa energia aqui."
Como a Alemanha oferece isenção de impostos para aposentados, Büsingen atrai residentes suíços.
O resultado: "os jovens vão para a Suíça, e os idosos vêm para cá. A vila envelhece todos os dias", diz Rainer Krause, cuja filha dirige o restaurante Waldheim.
Política à parte, Büsingen atrai visitantes como um belo refúgio em meio ao Vale do Reno.
É possível fazer uma caminhada pela chamada Trilha do Enclave — ou Exclave: ambos os nomes são usados para se referir à excursão de 11 paradas com vistas do rio e que passa pelas fronteiras internacionais e até uma vinha, onde os terraços das uvas alemãs riesling e pinot noir amadurecem antes de serem transportadas por alguns quilômetros para serem transformadas em vinho suíço.
Talvez a primeira parada da trilha, um mural da Prefeitura na rua principal, explique melhor: um trabalhador sorridente segura um mastro com uma bandeira alemã, enquanto uma bandeira suíça sai do bolso do paletó.
Apesar da confusão de viver em uma terra de ninguém, a vida parece ser muito boa aqui.
O vice-prefeito destaca que o vilarejo está localizado a menos de uma hora de trem do aeroporto de Zurique e a dez minutos de ônibus da cidade suíça de Schaffhausen.
Enquanto toma um café expresso em um café ao ar livre olhando para o Reno, ele aponta para o rio onde brincava quando criança e uma reserva natural no outro lado da margem.
A cidade, diz ele, "é um paraíso" — outro lugar, vale a pena notar, cujas fronteiras nunca foram totalmente definidas.